12.07.2009, António Barreto Retrato da Semana, Público
Algumas decisões simples criaram uma expectativa favorável. Depois, foi a lenta deriva. Até ao rápido afundamento.
Dois acontecimentos marcaram a semana na Educação. O início do processo de colocação de professores e as reacções destemperadas da ministra e do fantástico secretário de Estado Walter Lemos à baixa das médias dos exames de Matemática. O primeiro é conhecido e tradicional. Concorreram mais de 110 mil professores, foram colocados, de uma penada, 30 mil. Outras fases virão, até Dezembro, imagine-se, em que serão colocadas mais umas dezenas de milhares. Poucas dezenas de milhares ficarão de fora. Facto novo: os contratos serão por quatro anos. Tudo o resto é velho: a burocracia, a falta de autonomia das escolas, os atrasos, a desumanização e os inevitáveis erros. Já foi pior, é verdade. Mas ainda é muito mau. E, com o modelo actual, irreparável. Não faz qualquer sentido organizar processos de candidatura e colocação no plano nacional, desta maneira centralizada. Não há empresa ou instituição capaz de fazer isto bem feito e a tempo e horas. Mas o ministério e os sindicatos continuam a querer assim. Por razões fantasiosas que se resumem a uma só: o poder de um e de outros.
Os resultados da Matemática revelaram uma média nacional razoável, positiva, o que já é extraordinário, mas muito abaixo dos fenomenais 14 (ou 12,5, conforme as contas) obtidos no ano anterior. A ministra e o formidável secretário de Estado Walter Lemos reagiram em nome da honra ofendida. Acusaram os jornais, as televisões, os jornalistas em geral, as associações científicas, a Sociedade Portuguesa de Matemática e o professor Nuno Crato de serem responsáveis pelo desastre. O argumento, de impagável rigor, corre mais ou menos assim: eles convenceram os estudantes de que os exames eram fáceis; em consequência, estes não estudaram e tiveram más notas. Comentários para quê?
Estes dois episódios revelam a insistência nos modelos errados e nas práticas absurdas. Assim como a desorientação que se instalou no ministério. O que ali aconteceu, ao longo da legislatura, não é propriamente uma surpresa. Mas é triste. A revelação de um carácter inicial e algumas decisões simples, mas com prováveis efeitos muito profundos, criaram uma expectativa favorável. Os contratos com os professores anunciavam-se mais duradouros, pelo menos três anos (agora quatro). Os regimes de faltas dos professores foram apertados e dadas instruções para garantir a substituição dos faltosos. Muitas escolas ficaram abertas até mais tarde. Centenas de delegados sindicais profissionais foram devolvidos às escolas, donde nunca deveriam ter saído. Medidas foram tomadas para reduzir ou eliminar a demagogia eleitoral na direcção das escolas. Em vez de políticas complexas, recheadas de ideologia barata, tínhamos diante de nós orientações claras para a resolução rápida de erros e problemas atávicos. A gestão destas decisões foi mais difícil. O espantoso secretário de Estado Walter Lemos dirige por despacho e directiva e esse método não é muito eficiente. Mesmo assim, o início parecia promissor.
Depois, foi a lenta deriva. Até ao rápido afundamento. Agigantou-se uma figura, a do extraordinário secretário de Estado Walter Lemos, seguramente responsável pelos mais graves dislates subsequentes. Instalou-se a teimosia e a irritação na sede do ministério. Na esperança de contar com apoio popular, designou-se um inimigo, os professores. A velha guarda dos técnicos de educação do ministério recuperou forças e dominou a mecânica. Regressou a burocracia dos pedagogos iluminados. Produziram-se milhares de páginas de regras, regulamentos, orientações, normas, despachos e instruções, numa sofreguidão doentia. O assombroso secretário de Estado Walter Lemos exibiu uma produtividade sem par. Estabeleceu-se um princípio moral detestável, o de que uma correcção é fraqueza e um erro repetido é força. Criou-se um sistema de avaliação impossível destinado, não a avaliar, mas a exibir autoridade. Reforçou-se o centralismo da política de educação. Contrataram-se militantes partidários para preencher a rede de dirigentes nacionais e regionais. Exerceu-se uma inadmissível influência política no processo de elaboração e de avaliação dos exames, a fim de conseguir impensáveis melhorias de notas que provocaram o riso do Atlântico aos Urais. Chegaram a obter-se aumentos de médias de exames, de um ano para o seguinte, da ordem dos 40 por cento!
A deriva ministerial teve, quase até ao fim, um sólido apoio: o do primeiro-ministro, que, nestas coisas de exames, quer resultados de qualquer maneira. É ele o grande inspirador da teimosia. É dele a ideia de que a facilidade é democrática e socialmente igualitária. Só a aproximação das eleições e a derrota nas europeias tiveram alguma influência no método. Instruções foram dadas para suavizar e adiar. Não para corrigir, é claro. Mas parece já ser tarde. O que realmente entristece é que, mais uma vez, se perdeu uma oportunidade de ouro. Com a maioria absoluta e a aparente contenção do poder sindical, parecia possível procurar outras vias, nomeadamente a da autonomia das escolas e da sua devolução por inteiro às comunidades. Assim como a fixação de regras estáveis e tradições científicas relativas à avaliação dos professores e dos estudantes. Tal como, finalmente, a erosão, ou destruição, do poder central e burocrático do ministério. Era possível, sem grandes ilusões, imaginar métodos e princípios que promovessem o mérito e afastassem a ficção da ciência pedagógica da facilidade.
A mobília está partida? Persistem em colocar gesso nas pernas das cadeiras quebradas. A incapacidade de gestão unificada de milhares de escolas está demonstrada? Insistem em governar por despacho e grelha. É flagrante o descalabro da escola afastada das comunidades e dos pais? Continua a alimentar-se uma escola centralizada. O cansaço, a desilusão e a desistência de tantos professores são evidentes? Reforça-se a autoridade e o despotismo. A mediocridade da formação cultural e técnica mantém-se? Inventam-se novas oportunidades para que seja cada vez mais fácil. É caso para dizer: não se aprende nada!
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