24.07.2009, Paulo Ferreira, Público
O Compromisso Portugal acusa o Governo de aumentar a promiscuidade entre política e negócios. É um óptimo princípio
Édifícil não concordar genericamente com a avaliação que o movimento Compromisso Portugal faz da governação socialista nesta legislatura, que está prestes a terminar.
O exercício é honesto, transparente e, por isso, útil. Nas várias áreas, compara os objectivos do Governo com o que foi alcançado, medindo o grau de cumprimento das metas. É um bom documento para consulta, para fazer o fact checking daquilo que o próprio Governo e o PS forem anunciando como conquistas na campanha eleitoral. E é, certamente, mais eficaz e com mais utilidade social do que as convenções com que o Compromisso Portugal se deu a conhecer.
O Governo recebe nota máxima (100 por cento) na generalização do ensino do Inglês desde o ensino básico, nas energias renováveis e no combate à burocracia. As notas mínimas (zero) estão no crescimento potencial da economia de três por cento (que afinal é negativo), na convergência com a média da União (foi uma divergência permanente ao longo da legislatura), no aumento da competitividade (que caiu), na redução do peso da despesa corrente do Estado na Economia (que aumentou), na gestão eficiente da energia (que falhou) e na introdução de concorrência nos mercados do gás e da electricidade (que não aconteceu).
A área onde a avaliação é globalmente mais positiva é a da coesão social, redução da pobreza e igualdade de oportunidades. A pior é a do crescimento económico, mesmo descontando a quebra dos indicadores no último ano na sequência da crise financeira internacional. Confere com a percepção global dos últimos quatro anos nas áreas que podem ser medidas com objectividade e que estão menos sujeitas ao "achismo" individual.
Contas feitas, o Compromisso Portugal dá uma nota negativa ao Governo que, afirma o documento divulgado na quarta--feira, "mostrou intenção de efectuar mudanças, iniciou alguns processos de reforma relevantes, mas ficou bastante aquém dos seus objectivos em áreas fundamentais".
Há, no entanto, um tema surpreendente na avaliação feita pelo Compromisso Portugal: o que alerta para o agravamento da "promiscuidade entre política e negócios". A crítica é dura. "O Governo deixou a impressão de que nem sempre terá sabido resistir à tentação de tirar partido dos activos do Estado (nomeadamente nas empresas em que este participa) para intervir na área empresarial"; "com a sua indisponibilidade para separar o Estado dos negócios, o Governo manteve a tradicional promiscuidade entre agentes políticos e agentes económicos"; ou "hoje em Portugal nem todos os empresários e gestores de grandes empresas estarão totalmente à vontade para expressar livremente as suas posições".
A surpresa não está na análise. Ela não é nova e há factos mais ou menos públicos que mostram que este Governo nunca se inibiu de fazer represálias ou utilizar a chantagem para tentar calar posições críticas ou travar acções privadas que são legítimas mas que contrariam a sua vontade.
A surpresa está nos autores desta crítica, que é forte e não poupa nas palavras. A coluna principal do Compromisso Portugal é, como se sabe, constituída por empresários e gestores, sobretudo de grandes empresas. Não só sabem do que falam, porque estão no centro dos negócios e conhecem os seus bastidores, como é altamente provável que no grupo estejam alguns dos que beneficiam e são contraparte dessa promiscuidade.
Ainda assim, a crítica está lá, o que demonstra alguma coragem, uma dose de autocrítica e, quem sabe, a vontade de mudar. Parece cada vez mais generalizada a indignação e o mal-estar provocado pela fraca prática democrática demonstrada por este Governo.
O Compromisso Portugal atingiu o nível de saturação suficiente para a crítica. Próximos passos: denúncia pública de casos concretos e a recusa generalizada por parte de empresários e gestores em entrarem no jogo da promiscuidade. Como qualquer gestor bem sabe, a competitividade do país também passa por aí.
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