30.07.2009, Paulo Ferreira, Público
Há muito que os programas eleitorais se repetem em tudo aquilo que já devíamos ter feito mas não conseguimos.
Não é fácil fazer programas eleitorais sérios, susceptíveis de serem transformados em programas de governo e, ao mesmo tempo, inovadores.
Dos grandes enunciados, já tudo foi proposto, prometido e programado no passado e até por várias vezes.
"Relançar a economia e promover o emprego", "reforçar a competitividade", "valorizar as exportações", "modernizar Portugal", "reduzir as desigualdades", "desenvolver as políticas sociais", "qualificar os serviços públicos", "reduzir as desigualdades" são expressões que, de tão gastas, deixaram de significar o que quer que seja. Estas foram retiradas das linhas programáticas do PS. Mas também já constavam do programa eleitoral socialista de 2005. E, se procurarmos, também as encontramos em anteriores programas do PSD.
É assim com os grandes objectivos mas também com as receitas para lá chegar. Mais qualificação e competência dos portugueses, aposta na educação, mais inovação nas empresas, concorrência nos mercados, uma regulação forte, um Estado mais ágil, uma administração pública moderna e desburocratizada, uma justiça que funcione, contas públicas equilibradas.
Esta é a medida do nosso falhanço colectivo. Quase tudo precisa ainda de ser feito, porque quase nada foi alcançado de forma satisfatória ou sustentada em 35 anos de democracia.
Nalgumas áreas o nosso atraso relativo é mesmo maior do que há 15 ou 20 anos, porque o mundo avançou e os outros países cresceram e desenvolveram-se a um ritmo mais rápido. O maior diferencial de produtividade e, como consequência, de rendimento per capita face à média europeia são o espelho disso mesmo.
Parecemos incapazes de subir de divisão para entrar no campeonato dos países desenvolvidos, onde a classe média vive de forma confortável e digna, onde a qualidade de vida nas cidades existe e onde o campo é mais do que apenas de subsistência, onde o consumo cultural ou uma viagem nas férias não são despesas de luxo.
O programa eleitoral do PS, ontem apresentado, é o reflexo do país até certo ponto falhado que somos. Tirando os detalhes cronológicos, e uma ou outra área onde este governo conseguiu resultados - como o inglês no ensino básico ou as energias renováveis - a generalidade do que ali está proposto podia tê-lo sido há cinco anos.
Não fosse a crise internacional a aparecer para diluir na desgraça generalizada a nossa própria crise e a falta de resultados desta legislatura, e o PS ficaria sem álibi.
"A mensagem da esperança", como o próprio documento lhe chama, mostra como estamos no universo da crença. À falta de resultados visíveis e sólidos - fracasso que se prolonga já por uma década -, resta-nos acreditar, ter fé que um dia vamos travar a decadência e vamos lá chegar. Como? Cada vez sabemos menos.
As fugas de informação ontem promovidas sobre o programa eleitoral do PS, em jeito de teste, indicam isso mesmo. Duas medidas ditas fortes (nenhuma delas, aliás, detalhada no documento oficial divulgado ao início da noite): aumentar o IRS pago pelos agregados com mais de 5000 euros de rendimento bruto mensal e abrir uma conta-poupança com 200 euros doados pelo Estado a cada recém-nascido.
A primeira representa a tal medida do que nos afasta da Europa. Considerar que uma família com rendimentos anuais brutos na casa dos 70 mil euros não é classe média e pertence já ao clube dos ricos que supostamente devem pagar a crise, mostra como somos, de facto, muito pobres. Pior do que isso, somos miserabilistas.
A segunda foi, erradamente, embrulhada como uma medida de combate à natalidade. Terá, quando muito, alguns resultados de incentivo à poupança, mas apenas nas famílias que podem poupar e que, genericamente, são aquelas para quem os 200 euros são pouco relevantes.
Como medidas de fundo, são irrelevantes e, no caso do IRS, são um emblema preocupante deste PS.
Sem comentários:
Enviar um comentário