18.07.2009, Manuel Carvalho, Público
Símbolo perfeito da era Sócrates, a política de Maria de Lurdes Rodrigues acaba como a maioria das grandes reformas do primeiro-ministro: incompletas ou em estado vegetativo.
Já se pode fazer o testamento político da ministra da Educação. Depois de ter anunciado ontem o prolongamento do Simplex da avaliação, Maria de Lurdes Rodrigues fechou a política do ministério para balanço e, como Mário Lino, vai-se dedicar a mudar algumas coisas para que tudo fique como está até Outubro. Quem viu e ouviu as suas palavras de coragem há alguns meses, não deixa de estranhar a sua opção por cuidados paliativos, em vez de tentar a ressurreição da sua reforma moribunda, a da avaliação dos professores. A ministra cumpriu o seu mandato e abdicou de governar. Percebe-se. A dois meses das eleições, não é recomendável irritar ainda mais uma classe profissional enorme e com ramificações em praticamente todas as famílias portuguesas.
Para a posteridade, Maria de Lurdes Rodrigues ficará em primeiro lugar associada a manifestações gigantescas ou a menos dignos ataques com ovos à porta das escolas. Lendo o texto destas imagens há-de, no entanto, perceber-se que, no contexto conformista e comezinho da política portuguesa, ela foi um raro e surpreendente exemplo de convicção e coragem. Se nos capítulos finais da sua reforma da avaliação houve lugar à tergiversação ou ao recuo, não é a ela a quem se deve pedir explicações, mas aos superiores interesses do Governo e do seu primeiro-ministro.
O que torna esta discussão complexa é o facto de as grandes reformas não se fazerem apenas de coragem e determinação. Fazem-se também com sensibilidade e sentido estratégico. Como muitos críticos prenunciaram nos primeiros dias da reforma da avaliação, nunca seria possível obter o sucesso de um modelo justo e compreensível contra a esmagadora maioria da classe. Veja-se, a propósito, o que diz o mais recente relatório da OCDE sobre a avaliação: "Para uma reforma bem-sucedida é necessário o envolvimento e a motivação dos professores". Mais: "uma avaliação de professores com consequências (...) só acontecerá se os professores se sentirem motivados para fazer o processo funcionar".
Esta insensibilidade da ministra foi afinal a origem da sua tragédia política. Sabendo-se que uma avaliação a sério, com critérios, quotas para os mais profissionais ou mais talentosos, metodologias, etc. seria sempre rejeitada pelas áreas mais conservadoras ou retrógradas da docência, restava ao ministério um caminho: estabelecer alianças com os professores que, em surdina, se queixam da falta de exigência e do laxismo que grassam em tantas salas de aula do país. Num primeiro momento, Maria de Lurdes Rodrigues deu sinais de que estava a trilhar esse caminho. Os bons professores pareciam dispostos a encarar de frente essa grave injustiça que garante a mesma progressão na carreira aos competentes e dedicados como aos incompetentes e negligentes.
Até que veio o estatuto da carreira docente e os concursos para professor titular. Num ápice, por critérios burocráticos ou simplesmente relacionados com o tempo de serviço, centenas ou milhares de jovens ávidos de mudança viram os melhores cargos ser ocupados por professores cujo mérito consistia apenas em estar no lugar certo na hora certa. Imediatamente ficou claro que o concurso dos titulares cristalizava na prática os defeitos de uma escola que a avaliação tentava combater. A partir dessa hora fundamental, a ministra concentrou na sua pessoa todas as iras e todas as frustrações. Com o tempo e o desgaste, acabaria condenada ao papel que representou esta semana: a de um actor que já não conta para o enredo.
Símbolo perfeito da era Sócrates, a política da ministra acaba como a maioria das grandes reformas do primeiro-ministro: incompletas ou em estado vegetativo. No seu caso, porém, há um méritos a salvaguardar. No futuro próximo, seja qual for o governo, a progressão automática na carreira docente vai acabar. A bem da justiça entre os professores e do ensino, teremos ao menos de lhe agradecer esta mudança.
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