05.07.2009, Vasco Pulido Valente, Público
Uma desgraça nunca vem só e as desgraças de Sócrates têm vindo ultimamente em grande quantidade e muito depressa. A primeira foi, por culpa dele, o descrédito da imagem do "homem forte", dessa espécie de Mrs. Thatcher à portuguesa que ele quis ser. O problema com a pose da intransigência e determinação é que não fica pelo meio termo. Ao primeiro recuo (não ao primeiro erro), a fachada cai. E Sócrates recuou tanto que a certa altura pôs tudo em debandada. Recuou na avaliação dos professores (que um belo dia lhe pareceu "exigente, complexa e burocrática"); recuou no projecto do TGV, da 3.ª travessia do Tejo e do aeroporto (adiado, peça a peça); recuou no negócio PT-TVI; e - pior ainda - recuou no seu próprio estilo autoritário (e do "animal feroz", que se gabava de ser, saiu intermitentemente um doce animalzinho doméstico).
A segunda desgraça do eng. Sócrates foi a escolha de Vital Moreira para cabeça de lista do PS. Uma escolha de fraqueza, destinada a angariar o voto e a benevolência da esquerda, como se o PC não execrasse a criatura e o Bloco se deixasse seduzir por um fiel "companheiro de caminho" e defensor oficioso do Governo. Desta desgraça (não por culpa exclusiva de Vital) nasceu outra: a necessidade do "chefe" se envolver pessoalmente na campanha e a derrota final. Em 7 de Junho, Sócrates era um político vulgar, que não metia muito medo a ninguém. Até os ministros se começaram a desdizer e contradizer e o partido, tanto tempo calado, começou a desabafar. Responsável pelo desastre, Sócrates, no meio disto, balançava sem princípio entre a sua velha persona e o seu novo mundo.
Na hierarquia das desgraças, como se sabe, a quarta é a debandada. Há várias maneiras de fugir: a indiferença, o cepticismo, a abstenção. De repente, os fiéis (sempre com mágoa, claro está) descobriram erros sem remédio, desvios sem desculpa e a tradicional urgência de mudar de caminho, quando já não existia caminho algum. E, como Sócrates, naturalmente, não fazia nada, os fiéis passaram pouco a pouco à política do rato. Infelizmente para Sócrates, sobrava o inimigo - a última desgraça. O inimigo interno, que via agora uma presuntiva herança; e o inimigo externo, que o empurrava, aliviado, pela borda fora. António Costa denunciou as "nódoas" de Mário Lino; e Cavaco explicou suavemente as virtudes do programa económico de Ferreira Leite. Faltava o absurdo e, com Manuel Pinho, mesmo o absurdo se juntou à feira. Sócrates precisa de ir à bruxa.
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