29 outubro, 2005

A gripe das aves


Sob o título "Efeitos da pandemia na linguagem" escreve Henrique Monteiro no Expresso:


Galinheiras, 25 de Outubro de 2005

Meu caro Ministro da Saúde

Escrevo daquele que é, provavelmente, o mais perigoso local do Mundo: as Galinheiras. Indeciso entre a pandemia e o medo de existir, decidi fazer investigações próprias neste pitoresco bairro dos arredores de Lisboa. Devo dizer que as minhas demandas me conduziram a resultados fabulosos neste subúrbio onde a gripe aviária parece endémica, no qual os habitantes vivem paredes-meias com o vírus e sobrevivem com determinação à doença.
O exemplo destes seres de elevada moral e alta estirpe pode ser avaliado pelo modo como a sua linguagem tem vindo a evoluir ao longo dos anos, desde essa longínqua data incerta em que o surgimento dos primeiros homens permitiu que o local fosse designado pelo topónimo a que os romanos mais tarde chamariam gallinarium.
A minha aculturação não foi simples. O facto de logo na primeira noite ter referido, por lapso, ter o hábito de me deitar com as galinhas foi mal interpretado. Levaram-me ao Centro de Saúde onde confirmaram que estava bem. Agradeci os cuidados e acrescentei, para desespero dos meus anfitriões, que cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, mas eles discordaram dos caldos.
Na manhã seguinte, tive um verdadeiro choque quando ouvi crianças da Escola C/D e F+S-D 1 E 2X e 3 (Escola das Galinheiras) cantar uma canção infantil com uma letra que a força do vírus tinha alterado. Cantavam assim:

Papagaio louro
De bico dourado
Não tragas doenças
Vai para outro lado

Confesso que só então pensei na influência que uma gripe pode ter na mudança radical do vocabulário. Já de ouvido à escuta, pude, então, admirar frases feitas como infectado (e não inchado) como um peru ou cair que nem um patinho doente.
Uns dias mais no bairro puderam dar-me a conhecer outros modos de falar. Grão a grão acabas com um febrão ou a galinha da vizinha é mais doente do que a minha ou, até, mais vale dois pássaros a voar que uma ave bastarda e infectada na mão. É pois todo um mundo verbal novo, um mundo onde ter pena não significa ter mágoa, mas sim desejar uma doença fatal a outrem.
É em nome das nossas tradições populares, Senhor Ministro e meu caro amigo, que encarecidamente lhe peço que, sendo a coisa pandemia ou não, não nos deixe desprotegidos. Não é só o perigo para a saúde pública! É o perigo para a língua portuguesa, para a comunicação saudável da lusa gente que tão extremosamente defendo. E temos de começar já! A prevenção, Senhor Ministro, é o ovo de Colombo (que aqui entre nós temo vir a ser infectado). É que esperar para quando as galinhas tiverem dentes pode revelar-se uma opção extremamente perigosa

28 outubro, 2005

Perspectivas

Barra da Costa, no 24 Horas:
Haverá um dia em que todos voltaremos a ser felizes: quando os Sócrates forem apenas filósofos, os Alegres apenas crianças e os Cavacos apenas instrumentos musicais...

23 outubro, 2005

O regresso dos rankings

Sazonalmente, por esta época, somos brindados com a publicação do “ranking” das escolas. Desta vez foi a própria ministra que se atreveu a dizer que estes números são muito pobres pois dizem muito pouco das escolas e do seu trabalho. Vá lá.
O que constatamos de diferente este ano? No essencial nada. No acessório tudo. Mas o acessório é, nalguns casos, essencial.
A Escola de Pampilhosa da Serra lá continua, ano após ano, na cauda da lista. No topo a luta é renhida. Mas, é claro, que campeiam as escolas particulares. Pudera.
Como já tivemos oportunidade de escrever noutra ocasião estes números pouco nos dizem sobre a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. Mostram sim que a composição dos corpos docente e discente são factores determinantes.
Como é que se "mede" a composição e a evolução do corpo discente? Através da avaliação, no início de um ciclo de estudos (por exemplo, no 10º ano), dos "inputs" e, posteriormente, no final do ciclo (em exames do 12º ano). Só assim é que poderemos ajuizar sobre o real contributo da escola e as mais valias que proporcionou. Porque se é certo que o patamar de entrada em que se situam os alunos do Colégio Mira Rio é necessariamente diverso do dos alunos de Pampilhosa da Serra, o mesmo é de esperar do patamar de saída. Assim, a questão que se coloca é: qual o grau de progressão que os alunos de ambas as escolas fizeram? Constatadas as diferenças iniciais, será então muito razoável concluir que a progressão de um valor em Pampilhosa é muito mais significativa que a de dois ou três valores no Colégio Mira Rio. Os alunos da Pampilhosa têm, de facto, de fazer um grande esforço para progredirem um valor; pelo contrário, os do Colégio Moderno quase nem necessitam de qualquer esforço para progredirem alguns valores. Isso faz toda a diferença. E não há escala que seja capaz de "medir" esse esforço.
Uma outra questão relativa ao corpo discente diz respeito ao número de alunos que ingressam, anualmente, em cada disciplina, no 10º ano e quantos chegam ao final do 12º ano, realizando as respectivas provas de exame. Através do acompanhamento de coortes de alunos para verificar o seu percurso escolar é que há condições para podermos fazer comparações. Porque escolas haverá que não querem correr o risco de "levar a exame" alunos que "lhes estraguem a média". Por isso os aconselham, ou pressionam, a desistir ou a anular a matrícula!
Por outro lado, o corpo docente desempenha igualmente um papel essencial. Mas que podem fazer as escolas públicas em relação aos professores que o Ministério da Educação lá colocou, e que têm um desempenho manifesta e visivelmente insuficiente? Rigorosamente nada, porque o sistema de avaliação do desempenho docente é uma mistificação! Assim, as escolas públicas têm que "aturar" "professores" que não querem, que são incompetentes e dos quais não se conseguem livrar.

Investigações?

Segundo o Diário Digital:
O Ministério Público e a Polícia Judiciária (PJ) lançaram na semana que findou na sexta-feira a maior operação de sempre sobre a banca portuguesa: a «Operação Furacão», que visava descobrir indícios de evasão fiscal, fraude fiscal e falsificação de documentos.

À partida esta parecia ser uma excelente notícia. A questão é que o BES soube com antecedência que o BCP, BPN e Finibanco também estavam a ser alvo de investigação por parte do Ministério Público (MP), havendo violação do segredo de justiça. Ou seja, o MP revelou ao BES o nome das entidades que estavam a ser investigadas.
Tudo isto, é claro, só para não haver surpresas. Assim, quando a Judiciária lá chegar eles já têm a papelada toda prontinha e facilitarem assim o trabalho...

21 outubro, 2005

etwinning

A geminação de escolas através da Internet é agora mais fácil que nunca graças ao novo portal de eTwinning, uma iniciativa da Comissão Europeia disponível já em 20 línguas. Este portal não só facilita o processo de geminação de escolas, mas proporciona também aos professores ideias, inspiração e as ferramentas necessárias para pôr em prática os seus próprios projectos. Desde o lançamento da iniciativa eTwinning em Janeiro de 2005, já se registaram 8.000 escolas de toda a Europa.
O novo portal (www.etwinning.net), está mais fácil do que nunca para que as escolas e professores possam estabelecer e beneficiar das parcerias eTwinning.
Todos os meses o portal tem um tema diferente com notícias, entrevistas, materiais didácticos e um "fórum temático" para partilhar ideias. Por exemplo, o tema de Outubro é o eclipse solar, ilustrado através da matemática, ciências, ambiente e geografia; o tema de Novembro diz respeito às TIC na educação, inspirado pela Cimeira Mundial para a Sociedade da Informação.

16 outubro, 2005

Fotografia


World Press Photo: uma exposição de fotografia. A não perder. No CCB.
Para quem não puder ir aqui fica o link para o site onde é possível ver os "Winners Gallery 2005".
http://www.worldpressphoto.org/

14 outubro, 2005

Percursos

Diria mesmo que este é o tempo ideal para viajar.
Importará para onde?
A Alice (do País das Maravilhas) não sabia para onde ir. Por isso, lhe responderam que não interessava o caminho a seguir.
Aqui e agora o que conta é o percurso, a viagem propriamente dita. Não o destino.

Uma leitura plausível

M S Tavares, no Público:
Continuo a pensar que o essencial da derrota do PS nestas autárquicas se ficou a dever à dificuldade de apear presidentes camarários em funções e à escolha localizada de maus candidatos. Mas nem sequer vejo uma derrota assim tão demolidora, muito longe do que foi a dimensão e o significado político, aí sim, da derrota de 2001. Bastaria que o PS não tivesse perdido para o PSD 11 câmaras por menos de cem votos, que Francisco Assis tivesse vindo de Bruxelas para fazer campanha no Porto um mês mais cedo ou que tivesse sido escolhido qualquer outro candidato em Lisboa, e toda a leitura política destas eleições teria de ser revista à luz de outros resultados. Mas os 20 ou 30 desfechos locais que permitem ver no desfecho global uma derrota clara dos socialistas não consentem, nem podem consentir, uma extrapolação política para a relação de confiança entre o eleitorado e o actual Governo. Essa leitura é ilegítima por natureza e perigosa para o futuro imediato.

09 outubro, 2005

Premonitório

Hoje, dia em que o país vai a votos, fomos surpreendidos com uma chuva miudinha, do tipo "molha tolos"...
Ora como já não chovia há anos, há que interpretar este providencial sinal. Certamente alguma coisa está a mudar.

07 outubro, 2005

Da indiferença às ilações

A dois dias da refrega eleitoral para as autárquicas as sondagens prevêm empates técnicos em Lisboa e no Porto.
O que mais dói é que já nos é indiferente que seja o Carmona ou o Carrilho que vão passar a dirigir os destinos da capital. Para mal dela e de nós. Preferiríamos, de longe, um Zé Sá Fernanades ou uma Maria José N Pinto em vez de um daqueles trastes, que só vão fazer mais do mesmo.
Quanto ao resto haverá certamente grandes ilações a tirar dos resultados de Felgueiras, Gondomar, Oeiras, Amarante. Para o bem e para o mal.

04 outubro, 2005

Eclipsar

Hoje foi dia de eclipse. Um fenómeno raro dizem os entendidos...
Anda por aí muito mano que o melhor que nos poderiam fazer era eclipsar-se. Mas de vez.

01 outubro, 2005

Ainda os magistrados

A. Marinho e Pinto no Público de hoje:
Que querem, afinal, os magistrados? Querem manter e até aumentar as suas imensas regalias. Querem continuar a ser titulares de órgãos de soberania, mas ganhar como gestores (mais do que o próprio Presidente da República). Querem continuar a pertencer ao Estado, mas tratar-se em clínicas privadas e usufruir dos melhores médicos, tudo gratuitamente. Querem que 97 por cento dos processos judiciais fiquem parados quase três meses por ano para que eles tenham 13 dias de férias no Natal, 10 na Páscoa e 60 no Verão.
Magistrados e funcionários têm tido direito a um sistema de saúde milionário. Os Serviços Sociais do Ministério da Justiça estabeleceram convenções com os médicos mais caros, todos os tratamentos e internamentos têm sido feitos em clínicas privadas; abastecem-se em supermercados especiais a preços mais baratos. Os magistrados têm direito a transportes gratuitos; muitos utilizam prerrogativas funcionais em benefício pessoal (como ir de graça ao futebol); quase todos auferem subsídios de renda de casa mas vivem em casa própria; compensações para despesas específicas foram transformadas em remunerações permanentes, mas não pagam IRS. Chega-se ao ponto de essas remunerações serem incorporadas nas reformas mas não serem tributadas, tudo porque alguns magistrados assim o decidiram no "exercício do poder soberano de ser juiz em causas de interesse próprio". Alguns até recebem ajudas de custo iguais às dos membros do Governo só para irem ao seu local de trabalho (...)

A greve dos magistrados judiciais é a maior machadada na credibilidade da justiça, mas terá um mérito inegável: fará o povo tomar consciência de que os verdadeiros problemas da justiça resultam mais da cultura corporativa e antidemocrática dos magistrados do que das leis ou da acção dos políticos. Um bom magistrado faz boa justiça mesmo com as más leis, mas um mercenário nunca faz justiça, serve-se dela. Talvez se compreenda então que é altura de expulsar os mercenários para aproveitar e incentivar os bons magistrados que ainda restam e trabalham quase na clandestinidade.

Aposentado

De acordo com o Inimigo Público, Santana Lopes pode finalmente dormir a sesta. A notícia reza assim:
O ex-presidente da CML recusou todas as ofertas de emprego (dos maiores escritórios de advogados, de várias empresas de consultoria, da Microsoft, da Nasa e até da loja chinesa de Campolide) e resolveu reformar-se aos 49 anos (só para chatear o Sócrates). Em declarações ao IP, Santana Lopes revelou-se “maravilhado” com esta nova etapa da sua vida. Passa as manhãs em casa a ver o programa do Goucha e à tarde, depois do “Rex, o Cão Polícia”, vai até ao jardim da Parada, jogar à malha com os novos amigos, até começarem as novelas da TVI. Fez-se assinante da revista “Tempo Livre”, do INATEL, e já se inscreveu numa excursão de idosos às Grutas de Mira D’Aire. Apesar da idade, “Ele ainda está cheio de genica”, garantem os amigos mais próximos.

Magistrados

Miguel Sousa tavares, no Público:
O pior que pode acontecer a uma classe sócio-profissional que decide fazer greve é essa greve não incomodar ninguém nem impressionar ninguém. Porque uma greve é uma forma de pressão e não há pressão alguma quando a greve não incomoda ninguém. Uma greve de transportes, uma greve da TAP, uma greve dos trabalhadores da EDP, incomodam milhares ou milhões. Uma greve na justiça não incomoda ninguém: para aqueles que esperam um ano por um simples despacho e dez anos por uma sentença, uma semana de greve de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais não incomoda rigorosamente nada (...)
Hoje, os juízes e o Ministério Público podem gritar aos quatro ventos que estão a ser maltratados e desconsiderados que ninguém mexerá uma palha para os defender. Para quê defender quem não nos defende? Quem está sempre pronto a reclamar por isto, por aquilo e por aqueloutro, pelas férias, pelos subsídios, pelas regalias, e jamais pelos direitos dos desgraçados que esperam em vão por uma justiça que é quase sempre má ou tardia? Nunca pela cabeça dos senhores magistrados passou a ideia de se imaginarem na pele de um cidadão que é vigarizado por terceiro e que contrata um advogado a quem paga, sustenta despesas prévias para meter a acção em tribunal e que confia que, tendo tudo feito conforme é recomendável num Estado de direito, a justiça lhe há-de reconhecer a sua razão, em tempo útil para salvaguardar a sua actividade profissional e recompensá-lo dos prejuízos sofridos. E que, afinal, espera em vão, anos a fim, até realizar ou que a justiça chega tão tarde que já não lhe serve de nada e apenas gastou mais dinheiro, ou então que lhe é negada a razão, a pretexto de formalismos processuais e bizantinices jurídicas que ninguém de boa-fé consegue reconhecer como justiça. Mas nada disso incomodou jamais os senhores magistrados. Nunca os incomodou o facto de o objectivo essencial da sua actividade - que é o serviço público - servir para tudo menos para cumprir a sua função. Como se a justiça, primeiro que tudo, devesse servir os que a servem e não os que a ela recorrem e a pagam.

Os portugueses do delgado

Luís Delgado, no DN:
"os portugueses já interiorizaram e decidiram: querem Cavaco como PR. Ponto final."
Quais portugueses?