01 outubro, 2005

Magistrados

Miguel Sousa tavares, no Público:
O pior que pode acontecer a uma classe sócio-profissional que decide fazer greve é essa greve não incomodar ninguém nem impressionar ninguém. Porque uma greve é uma forma de pressão e não há pressão alguma quando a greve não incomoda ninguém. Uma greve de transportes, uma greve da TAP, uma greve dos trabalhadores da EDP, incomodam milhares ou milhões. Uma greve na justiça não incomoda ninguém: para aqueles que esperam um ano por um simples despacho e dez anos por uma sentença, uma semana de greve de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais não incomoda rigorosamente nada (...)
Hoje, os juízes e o Ministério Público podem gritar aos quatro ventos que estão a ser maltratados e desconsiderados que ninguém mexerá uma palha para os defender. Para quê defender quem não nos defende? Quem está sempre pronto a reclamar por isto, por aquilo e por aqueloutro, pelas férias, pelos subsídios, pelas regalias, e jamais pelos direitos dos desgraçados que esperam em vão por uma justiça que é quase sempre má ou tardia? Nunca pela cabeça dos senhores magistrados passou a ideia de se imaginarem na pele de um cidadão que é vigarizado por terceiro e que contrata um advogado a quem paga, sustenta despesas prévias para meter a acção em tribunal e que confia que, tendo tudo feito conforme é recomendável num Estado de direito, a justiça lhe há-de reconhecer a sua razão, em tempo útil para salvaguardar a sua actividade profissional e recompensá-lo dos prejuízos sofridos. E que, afinal, espera em vão, anos a fim, até realizar ou que a justiça chega tão tarde que já não lhe serve de nada e apenas gastou mais dinheiro, ou então que lhe é negada a razão, a pretexto de formalismos processuais e bizantinices jurídicas que ninguém de boa-fé consegue reconhecer como justiça. Mas nada disso incomodou jamais os senhores magistrados. Nunca os incomodou o facto de o objectivo essencial da sua actividade - que é o serviço público - servir para tudo menos para cumprir a sua função. Como se a justiça, primeiro que tudo, devesse servir os que a servem e não os que a ela recorrem e a pagam.

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