21 junho, 2009

Yes, we could


21.06.2009, Miguel Paté, no Público

Se apostasse numa equipa nacional, o chefe do executivo estaria a fazer uma aposta que contribuiria para o nosso PIB.

O primeiro-ministro, José Sócrates, está quase terminar o seu primeiro mandato e, pela segunda vez, vai concorrer às eleições legislativas. Para o ajudar nesta segunda campanha eleitoral, José Sócrates contrata uma equipa com provas dadas, a equipa responsável pela bem sucedida campanha online de Barack Obama.
Esta escolha demonstra, acima de tudo, que o actual chefe do executivo tem vontade de voltar a chefiar o executivo com maioria parlamentar. Demonstra também que o líder do Partido Socialista espera conseguir na sua campanha uma maior capacidade de divulgação, interacção e mobilização dos portugueses, com a utilização de estratégias e plataformas online. E demontra ainda que Sócrates está determinado a ter as melhores condições para governar e assim conseguir ajudar Portugal a ser um país melhor em tudo.
Em tudo, menos a fazer campanhas de marketing político.
Como profissional de comunicação, interpreto esta escolha de José Sócrates como uma demonstração de alguma falta de confiança nos técnicos de comunicação e marketing político portugueses. Esta escolha não é um caso isolado: neste cantinho à beira-mar plantado, é demasiadamente frequente preferirem-se pessoas ou organizações estrangeiras em detrimento de pessoas ou organizações portuguesas com capacidades e competências equivalentes.
Muito felizmente, tanto para José Sócrates como para todos nós, que esta possibilidade de escolher um estrangeiro em vez de um português não pode ser aplicada no processo de escolha do primeiro-ministro de Portugal.
Como cidadão, interpreto esta escolha como uma medida que, à partida, não favorece a economia nacional. Não tanto por parte do financiamento dos partidos e das campanhas ser proveniente do erário público. Acima de tudo, por a escolha de uma equipa para o desenvolvimento de um determinado projecto ser também uma decisão de investimento. Acontece que, neste caso, é de investimento externo. Se apostasse numa equipa nacional, o chefe do executivo estaria a fazer uma aposta que contribuiria positivamente para o nosso PIB e, em vez disso, está a incrementar o produto interno bruto de outro país.
Faz sentido, e não só em momentos de crise como os que atravessamos, uma figura de Estado privilegiar investir no país que governa. E faz ainda mais sentido quando essa figura, neste caso o candidato José Sócrates, está a investir precisamente na campanha em que pede aos portugueses mais confiança, mais votos e mais quatro anos de governo com maioria parlamentar.
Como português, esta decisão faz-me sentir alguma falta de identificação com o actual, e possivelmente futuro, chefe do governo do meu país. As decisões que José Sócrates faz como candidato não devem ser analisadas da mesma maneira que as decisões que faz como responsável máximo do Governo português. Porém, e apesar de pertencer a um órgão executivo, um primeiro-ministro não deixa de ter um papel representativo, uma relação simbólica com o povo que o elegeu e cujos interesses defende, relação essa que assenta numa identidade comum. Por outro lado, e pondo completamente de lado ideologias nacionalistas ou práticas de proteccionismo económico, diferentes entidades nacionais têm feito, nos últimos anos, um esforço concertado no sentido de promover internamente o país, incentivando os portugueses a optar por consumir produtos portugueses, a escolher fazer turismo em Portugal, a preferir investir no capital nacional, seja este o natural, o técnico, o tecnológico, o cultural ou, claro, o capital humano.
A escolha de Sócrates em relação à equipa que o vai ajudar nas próximas eleições não está em concordância com todas as iniciativas que cada vez mais se promovem para aproximar os portugueses de Portugal. E vamos esperar para ver se essa equipa vai ser obrigada a usar o Magalhães como ferramenta de trabalho.
Yes, we can foi uma excelente campanha, uma grande operação de marketing político envolvendo múltiplos meios que funcionaram de forma complementar e em absoluta sintonia. Foi uma campanha em que milhões de cidadãos participaram activamente como militantes, contribuindo no recrutamento de simpatizantes e na mobilização dos americanos para o acto eleitoral. Foi uma campanha que recolheu milhões de dólares de donativos, efectuados quase exclusivamente por particulares. Foi uma campanha que levou o seu mote, Yes, we can, à letra, dando aos norte-americanos os meios, a autonomia e o incentivo para ajudarem a eleger o candidato em que acreditavam. Foi uma campanha que deu voz a um povo e que deu a esse povo os meios para usar essa voz, sobretudo, os meios necessários para concretizar o que essa voz dizia. Foi uma campanha que enfatizava o elemento "nós", tanto na teoria como na prática.
Sócrates pode decidir não falar em "nós" na sua próxima campanha eleitoral. E, por uma questão de coerência, até é bom que assim o seja.

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