10.06.2009, Rui Tavares, no Público
Quem olha para o mapa da Europa que saiu das eleições de domingo passado dificilmente imaginaria que ainda há dez anos, dos quinze países que a UE então tinha, quatorze eram governados por partidos socialistas e afins. Esses partidos de centro-esquerda foram os principais castigados das eleições. Ninguém de esquerda pode ir para o Parlamento Europeu de ânimo leve: o que nos espera é uma oposição dura, duríssima, numa União Europeia cada vez mais conservadora e perante uma crise que vai ser longa e pesada.
A questão é: porquê? E a resposta começa precisamente nesses anos em que os governos socialistas dominavam. As esperanças de muita gente - eu incluído - era a de que então se desse uma refundação do modelo social europeu e de que a União se democratizasse e simplificasse. E em que andavam eles ocupados nessa altura? Com o pacto a que eles mesmos chamaram "estúpido" na sua obsessão dos três por cento de défice, com um Banco Central Europeu indiferente ao desemprego, e com uma crescente burocratização e mesquinhez nas discussões europeias. O Partido Trabalhista inglês foi o precursor da "terceira via", o Partido Socialista português lá seguiu a moda.
Por muita voz grossa que agora façam eles, andavam embevecidos com as mitologias do mercado e remetiam as ideias de esquerda para umas franjas mais ou menos inócuas. Essa atitude está na raiz da crise actual. Criação de um sistema bancário sombra? Foi nos últimos anos de Clinton. Produtos tóxicos fora dos livros de contas? A União Europeia, maioritariamente socialista, estava a dormir no ponto.
Não é por as eleições europeias já terem passado que estes temas desaparecem. Ainda por cima, esta descrição abreviada aplica-se a Portugal e explica o factor relevante destas eleições para nós portugueses: a transformação do nosso panorama político acelerou--se. Onde antes tínhamos meros sinais (metodicamente anotados nesta coluna) temos agora uma dinâmica evidente e talvez inevitável que vai acabar com a bipolarização e confrontar o país com o seu pluralismo.
Aquilo que Mário Soares, Manuel Alegre e outros socialistas têm pedido aos seus líderes é uma verdadeira oposição às ideias que estão por detrás da crise. Mas em vão: isso é o que líderes como José Sócrates e Gordon Brown não estão dispostos a dar--lhes. Isso implicaria romper com o centro-direita (e eles querem apoiar Durão), reconhecer a subalternidade ideológica em que têm vivido, e implicaria confessar: "esquecemo-nos das razões por que éramos de esquerda". Da vitória de Obama nos EUA, só aprenderam o folclore; escapou--lhes a ruptura com um Partido Democrático acomodado, centrista, e sem debate - tão parecido com os partidos deles agora. Ao invés, os actuais líderes socialistas cada vez mais se refugiam na agressividade e na mania da perseguição. E assim não impedem, antes aceleram, a sangria da sua ala esquerda.
Sim, a votação no Bloco de Esquerda (e também, em parte, no PCP) é uma ilustração deste processo. Mas, registados os votos, os contadores voltam agora a zeros, que os eleitores não pertencem a ninguém. Se a esquerda, toda ela, for tão combativa quanto antidogmática, pluralista e aberta, tem agora as pessoas - mesmo as que não são de esquerda - disponíveis para ouvir as suas ideias. Enquanto o CDS discute com as sondagens de ontem e o PSD arranja tácticas dilatórias para que não se veja como estão implicados na crise, este tempo de debate é precioso.
Historiador. Deputado eleito pelo Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu.
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