09 junho, 2009

Porque é que a direita ganhou?


09.06.2009, Teresa de Sousa, no Público

1. Foi a direita que ganhou ou foi a esquerda que ruiu? Podem tirar-se ilações europeias de realidades políticas tão distintas como a alemã e a britânica, a italiana ou a francesa, a sueca ou a grega? O que é que há de comum entre Angela Merkel e David Cameron ou entre Nicolas Sarkozy e Mariano Rajoy? E o que fazer com os valores recorde da abstenção?
Interpretar as grandes tendências do voto nas eleições para o Parlamento Europeu exige alguma humildade.
António Costa Pinto, historiador, aconselha também prudência: " É preciso perceber se estamos a falar da soma das partes ou de uma tendência europeia". A vitória de Sarkozy "talvez seja melhor explicada pela conjuntura francesa". A crise do Partido Socialista francês vem de muito longe. José Luis Zapatero perdeu "porque a Espanha vive o fim de um ciclo de mais de 10 anos de crescimento contínuo". O impacte psicológico da crise é maior.
Muitos analistas europeus preferem dizer que, se há uma tendência geral, ela tem mais a ver com a queda do centro-esquerda do que com a vitória do centro-direita. "Mais do que a vitória da direita, o sinal político destas eleições parece ser o eclipse político dos socialistas", escreve o editorialista do La Stampa, Cesare Martinetti. António Vitorino, dirigente do PS, diz que "a esquerda democrática não conseguiu apresentar um perfil comum sobre a crítica da crise". Nesta medida, "e se alguma coisa se pode dizer a nível europeu, terá dado de si própria uma imagem de maior desunião política do que o PPE".
"Jack Lang disse que o Partido Socialista já não sabe como dar voz à esperança", escreve de novo o La Stampa. Para concluir que a afirmação pode generalizar-se à Europa. "A esquerda deixou de ter um horizonte político."
Problema que não é de hoje. Nasceu com a queda do Muro de Berlim e a globalização. Encontrou na "terceira via" o caminho do seu aggiornamento político. Entre 1996 e 2004, 13 dos 15 governos europeus eram liderados pelo centro-esquerda, lembra o analista francês Henri Weber.
A crise do capitalismo poderia ter-lhe dado um novo fôlego. "A esquerda foi igualmente atingida pela moda liberal e paga, também ela, o seu preço", responde à AFP Jean-Dominique Giuliani da Fundação Robert Schuman.

2. Tanto mais que não se pode dizer que houve uma resposta de esquerda e uma resposta de direita à crise económica global. "A forma como os governos responderam à crise revela muito poucas diferenças naquilo que tradicionalmente pode separar a direita da esquerda", considera Costa Pinto. Intervenção do Estado, nacionalizações, protecção ao emprego. Pode ter variado a retórica ou a filosofia política. A chanceler alemã resistiu mais ao recurso aos cofres do Estado do que o seu parceiro social-democrata de coligação. A brutalidade da crise encarregou-se de aproximar as soluções. O Presidente francês é mais proteccionista e intervencionista do que a maioria dos governos de centro-esquerda europeus. As receitas para a regulamentação dos mercados financeiros aproximam mais Gordon Brown do seu rival David Cameron do que este de Angela Merkel.
A explicação para o fracasso de uns e o sucesso de outros poderá estar naquilo que os eleitores esperam deles. Se a esquerda não lhes consegue dar um horizonte de esperança, a direita pode dar-lhes alguma segurança. É assim tradicionalmente. Pode ter sido, em parte, assim nestas eleições.
A questão da Turquia e tudo o que ela simboliza é paradigmática. "Nicolas Sarkozy e Angela Merkel fizeram da sua oposição à entrada de uma nação maioritariamente muçulmana uma das bandeiras das respectivas campanhas", escreve no Guardian Denis MacShane. O Presidente francês e o chefe do Governo de Roma não hesitaram em colocar a questão da imigração e da segurança no centro das suas campanhas. A esquerda tem maior abertura em relação à Turquia e à imigração e o seu forte não tem sido a coerência sobre a segurança.
Estas eleições decorreram também num ciclo político que reflecte o aggiornamento do centro-direita. "O segredo de 'Sarko' é ter uma imagem reformista e saber falar à direita", diz António Missiroli, do European Policy Centre de Bruxelas à AFP. Merkel é a chanceler que conciliou Leste e Oeste. Cameron o pós-thatcheriano de rosto mais humano. Só que, sinal deste tempo de incerteza, se os grandes vencedores das eleições foram os partidos anti-sistema, a extrema-direita e os populistas conseguiram capitalizar melhor o voto de protesto do que a extrema-esquerda.
A América enfrentou a crise elegendo Obama. A Europa virando à direita. Quanto a isto, pelo menos, não haverá divergências.

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