28 janeiro, 2009

Porque não entrego os OI


Vejo, com mágoa, que são muitos os que começam a abandonar o barco. Vejo com mágoa, que muitos saltam a cerca e se passam para o outro lado. E não compreendo como é que o que até agora fez sentido, de repente, deixou de fazer. Que sentido tiveram as greves e as manifestações que fizemos? Que sentido têm as posições que, colectivamente, assumimos?
O que é que mudou? O modelo de avaliação, nós mesmos ou as duas coisas? Como é que o facilitismo do simplex pode fazer com que deixe de fazer sentido tudo aquilo que fizemos até agora? Como podemos, tão facilmente, vender-nos por um prato de lentilhas?

Todos temos razões para vacilar. Cada qual terá, para si mesmo e para os restantes colegas, uma mão cheia de argumentos, provavelmente válidos e presumivelmente justos. Argumentos para abdicar todos temos, pois são os mais fáceis de arranjar. Apesar de válidos e de justos. Eu também tenho os meus que, em substância, não diferem dos da maioria.
Mas quando os coloco num dos pratos da abalança os argumentos que tenho (e que são muitos) para entregar os objectivos individuais, tenho também que colocar no outro prato os argumentos de natureza contrária. Estes, apesar de serem menos, têm o peso dos valores intemporais e, por isso, valem mais. Estou a falar de coerência, dignidade, verticalidade e ética.

Não me vergo, por muito que isso me possa vir a custar os mais diversos dissabores, em termos pessoais e profissionais.
Não me vergo, apesar de saber que outros podem beneficiar da minha verticalidade. Espero que lhes faça bom proveito.
Não sou, nem quero ser, herói nem mártir. Mas, como tudo tem um preço, neste caso assumo a minha responsabilidade e espero que cada qual saiba assumir a sua.

Não pactuo com este modelo de avaliação, edificado sobre uma divisão artificial da carreira em professores e professores titulares, onde muitos destes chegaram não pelo mérito mas por via administrativa.
Não pactuo com este modelo de avaliação, assente sobre quotas que servem propósitos meramente economicistas.
Não pactuo com este modelo, dito de avaliação do desempenho, mas mais preocupado com a avaliação da eficácia do que do desempenho, que abdica de ambas, na sua versão simplex,
Não pactuo com este modelo de avaliação na sua versão simplex, pois isso equivaleria a aceitar a filosofia e os princípios que lhe estão subjacentes.
Não pactuo com este modelo de avaliação na sua versão simplex, porque é imoral definir, a menos de cinco meses do final deste ciclo de avaliação, os objectivos que deveriam ter sido estabelecidos no seu início e válidos para dois anos.
Não pactuo com este modelo de avaliação na sua versão simplex, porque se tornou uma caricatura do que é uma avaliação.
Não pactuo com este modelo de avaliação, por mais voltas que lhe dêem e por mais simplex que o tornem, pois é hediondo, na sua génese.

Não sei bem o que me espera pelo facto de ter decidido não entregar os objectivos individuais. Não sei bem as consequências que aí vêm. Sejam quais forem, cá estarei, no meu posto, confiante que posso continuar a viver de cabeça bem erguida. Numa postura vertical.
E se outros vierem a beneficiar desta minha atitude, espero que vivam bem e que sejam muito felizes com o benefício que a minha postura, eventualmente, lhes possa proporcionar.
Hoje sinto muito orgulho nesta minha atitude e, consequentemente, em ser professor. Lamento que muitos outros não possam dizer o mesmo. Mas dos fracos não reza a história!

Lisboa,28 de Janeiro de 2009

Gonçalo Simões


11 comentários:

João Soares disse...

Não está sózinho.
Um abraço

LurdesC disse...

Obrigada,Gonçalo,por partilhares connosco a tua reflexão.
Se aceitares companhia,já não estás sozinho.Subscrevo todas as tuas palavras. E suspeito que não sou só eu.
Estamos aqui para o que der e vier.

Unknown disse...

Parabéns Gonçalo!Pelo texto muito bem redigido e pela verticalidade!
Um abraço

Maria disse...

Eu também viajo no mesmo barco! E havemos de chegar a bom porto nem que seja a nado...

Anónimo disse...

Boa! Também estou neste barco.

Anónimo disse...

Faço minhas as tuas palavras.Preservo muito os meus princípios e não ficaria bem com a minha consciência se pactuasse com este simplex.Estamos a ser esmagados por um processo que impede a efectiva melhoria da qualidade de ensino.
Parabéns pelo Blog.
Beijos,
Teresa Conde

Rosa Félix disse...

A minha solidariedade na coerência!Dignificar a missão do professor sem nos deixarmos arrastar por falsos cantos de sereia ou intimidar por ameaças de quem perdeu a razão.
Serenamente firmes!

Alexandra Amaral disse...

Concordo inteiramente consigo, dos fracos não reza a História! Mas infelizmente a nossa classe ainda está repleta de pessoas cuja dignidade é palavra que lhes falta.

Fernanda disse...

Olá Gonçalo
Aqui de Alenquer vai um abraço resistente. Fizemos tudo o que foi possível para travar o processo. Estamos de consciência tranquila. Sou irmã de uma colega sua. Abraço

Anónimo disse...

Dizes muito bem.Foi pelos valores que nos mobilizámos; é com eles que nos distinguimos. Continuo a pensar que é por eles que continuamos a resistir. Cá estaremos para o que vier.É bom ir sabendo que não estamos sózinhos.
8/02/09

Unknown disse...

Caro Gonçalo:
o teu texto, que me encantou, fez-me lembrar um poema do B. Brecht que, citando de cor, diz: "Os tigres matei-os eu. Fui comido pelos percevejos".
Um abraço solidário
Carlos Santos