20 junho, 2009

Parar para pensar ou prolongar as más decisões


20.06.2009, Nuno Pacheco, no Público

No mesmo dia em que três dezenas de economistas lançam um repto ao Governo para reavaliar os investimentos mais polémicos, a ministra da Educação torna mais "definitivo" um modelo que nem devia ter sido provisório.

A palavra-chave é: reavaliar. É repetida várias vezes, ao longo do manifesto que hoje vários jornais, incluindo o PÚBLICO, dão a conhecer nos seus traços essenciais e que serve de repto ao Governo e sobretudo à política de investimentos públicos. Numa acção idêntica às que, noutros momentos e gestões políticas, foram empreendidas pela Sedes, os 28 subscritores (gestores, economistas, engenheiros, ex-ministros) entendem que o seu manifesto deve fazer o Governo parar para reflectir, antes de tomar decisões que comprometam (e endividem ainda mais) o país por várias décadas. Por isso, entre os termos usados, sobressai a reavaliação. "O interesse nacional exige uma reavaliação profunda dos megaprojectos públicos no sector dos transportes, das suas prioridades e calendários." E impõe "uma reavaliação profunda das prioridades de investimento público". Por isso concluem: "Só após essa reavaliação, baseada em estudos de custo-benefício com qualidade técnica reconhecida e elaborados com hipóteses realistas, é que deverão ser tomadas as decisões definitivas sobre a sua execução." Simples como isto.
Mas o pressuposto do manifesto, o de aproveitar o "interregno político" entre eleições para lançar mãos a tal obra, vai contra aquela que parece ser a intenção principal de José Sócrates: adiar algumas decisões, como a do TGV, por exemplo, mas apenas para tentar ganhar as legislativas. Tudo o que possa amaciar não só a sua imagem como também as suas opções governamentais mais polémicas será usado com esse fim. Propósito que não inclui reavaliações, nem novos estudos, nem recurso a um painel de sumidades que possam vir a pôr em causa aquilo que delineou e quer manter, mesmo ocultando.
O manifesto ficará, no entanto, como a demonstração pública de uma vontade a contra-corrente, a de pensar - e pensar bem - para decidir. Não fala em votos, fala em factos. Põe o dedo em várias feridas e tenta chamar-nos à realidade. Só por isso, é natural que falhe. Porque os holofotes já estão, há muito, virados para o doce manto da fantasia.
No mesmo dia em que tal manifesto chegava às redacções, a ministra da Educação aproveitou para anunciar, em plena época de exames, que o regime simplificado de avaliação dos professores deverá continuar por mais dois anos. Os sindicatos, como era de se esperar, apontaram o dedo acusador à ministra: assim, ela passava um atestado de incompetência ao Governo. Melhor dizendo, a si própria. Pois até o próprio primeiro-ministro, na televisão (em entrevista à SIC), admitira que os professores tinham alguma razão nas suas queixas: "Errámos ao propor uma avaliação tão exigente, tão complexa e tão burocrática. Corrigimos logo a seguir, mas o erro ficou feito." Pois bem, é essa "correcção" que a ministra acha por bem prolongar. Do mesmo modo que, noutras épocas, se prolongavam como "provisórios" barracões escolares que ficavam muitos anos de pé até se tornarem definitivos. No anúncio da ministra pode estar o prenúncio do que fará Sócrates no resto. O problema é que Portugal já não se compadece com mais remendos.

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