23.04.2009, Helena Matos, no Público
O primeiro-ministro acha que magistrados, polícias e jornalistas conspiram para lhe inventar passados
Não quero saber da mãe, do primo, do tio e de quem mais seja das relações do cidadão José Sócrates. Muito menos me interessa saber quais os canais de televisão de que gosta ou não gosta. O que não é suposto é que as entrevistas ao primeiro-
-ministro se tornem numa sessão de psicanálise em torno de um qualquer eu. Quero mesmo acreditar que não foi o primeiro-ministro de Portugal quem esteve na RTP a ser entrevistado mas sim uma outra pessoa que por acaso se chama José Sócrates e que, naquilo que na gíria se chama contar um caso de vida, ali foi dar conta de como pensa enfrentar os conflitos reais ou imaginários que outros mantêm com ele.
Quando os homens da Apollo 13 perceberam que algo estava a correr mal naquela que parecia ser mais uma viagem à Lua, lançaram o célebre: "Okay, Houston, we've had a problem here". E Houston respondeu e naturalmente pediu-lhes que repetissem o que acabavam de dizer. Afinal as más notícias precisam muito mais do que as boas de serem repetidas para que consigamos acreditar naquilo que se acaba de ouvir. A minha grande dúvida ao ver as últimas intervenções de José Sócrates é: a quem avisamos nós que temos um problema?
Portugal não tem propriamente Governo neste momento. Temos sim uma estrutura que vive do anúncio do futuro liderada por um primeiro-ministro que acha que magistrados, polícias e jornalistas no país e fora dele conspiram para lhe inventar passados. À semelhança da Apollo 13, Portugal está num não-lugar e num não-tempo em que à sexta-feira o povo vê e ouve sobre o passado do primeiro-ministro algo que já não sabe se o deve fazer rir ou chorar. Às quintas é a vez de o primeiro-ministro contrapor com cenários do futuro, venha esse futuro através de leis cada vez feitas mais à pressa ou pelo lançamento virtual de obras cuja factura funciona tipo cartão de crédito a pagar pelos nossos filhos e netos.
José Sócrates tem de facto um problema com o tempo. Desde logo porque tropeça sistematicamente no seu passado. Depois porque, para seu e nosso azar, por causa desse passado vê cada vez mais comprometido o prestígio do cargo que presentemente ocupa. E por fim, mas não menos grave, quando José Sócrates anuncia medidas para o futuro percebe-se que não só não mudou desde esse passado como se constata que não aprendeu nada com o que designa como a sua "cruz" presente: tal como dantes mandava exames por fax e, enquanto ministro, aceitou participar em reuniões que o mais distraído presidente de junta de freguesia sabe que pode comprometer o mais honesto dos cidadãos, endossa agora para as gerações futuras as contas das medidas do seu Governo. Justa ou injustamente acossado pelo passado, o primeiro-ministro está irritado com o presente e pode comprometer o nosso futuro ao deixar-nos com obras onde o seu nome consta na pedra de lançamento e o nosso na lista dos endividadíssimos que, sem saber como, terão de pagar porque algures em 2009 foi preciso inventar futuros. (helenafmatos@hotmail.com) Jornalista
a O nosso problema é empobrecer lícita e legalmente. Dá jeito açular a populaça com o rendimento ilícito, as grandes fortunas, os ordenados milionários dos gestores mas não é por causa disso que estamos cada vez mais pobres. Nesse campo colocam-se questões éticas. Mas no que respeita ao empobrecimento do país, a causa é outra. A causa é essa mediocridade na hora de gerir a coisa pública, essa cultura da desresponsabilização e um Estado incapaz de fazer reformas. Por exemplo: quanto nos custa o facto de o Estado português ter achado que ajudaria os pobres fixando rendas? Ou fixando valores e prazos insustentáveis para os licenciamentos a privados? Façam-se as contas a alguns números agora conhecidos em Lisboa e que dão conta de quanto custam as obras de recuperação e reabilitação feitas pela CML.
A uma empresa municipal, a EPUL, foram entregues 50 edifícios para recuperação, na gestão de Santana Lopes. Saiu Santana, veio Carmona e por fim António Costa. Desses 50 edifícios, e ao fim de vários anos e três presidentes, a dita empresa recuperou apenas 5. Mas como nos 50 edifícios que seguiram para recuperação habitava gente, houve que proceder a realojamentos. Os mesmos custam mais de um milhão de euros por ano. Como ainda estão 45 edifícios para recuperar, presume-se que os realojamentos continuarão a correr por conta do contribuinte. Em simultâneo com esta empresa que trabalha a este ritmo temos na mesma cidade de Lisboa sociedades de reabilitação urbana das quais algumas, segundo afirmação da CML, nunca fizeram nada mas tiveram custos de funcionamento de 14 milhões de euros. Foram também afectados 27,6 milhões de euros para reabilitar outros 77 edifícios. Gastaram-se já 23,2 milhões mas só se reabilitaram 33. Logo, 44 estão à espera. E se chegarmos às obras coercivas as contas não são menos assombrosas: gastou-se 1,3 milhões de euros num simples edifício de cinco pisos e às despesas da obra ainda há que juntar os custos com o alojamentos dos habitantes. Tudo isto aconteceu em Lisboa mas casos semelhantes não faltam pelo país. Tudo isto é lícito, tudo isto é legal e é o nosso fado.
"A dra. Cátia está em reunião. A dra. Sandra hoje não pode atender. A dra. Marina só volta de tarde." Uma das consequências da passagem do tempo é que vamos percebendo que as crianças com que andámos ao colo são já doutoras. Outra consequência da passagem do tempo em Portugal é a feminização da função pública. Assim, legiões de doutoras com nomes que nos fazem velhos esperam por nós em cada serviço público. O que fazem todas essas jovens doutoras e demais funcionários masculinos - esses cada vez menos doutores - em vários serviços públicos é para mim um mistério. E o mistério adensou-se quando li uma reportagem de Ricardo Garcia no PÚBLICO que dava conta que o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) não enviara um técnico ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina para avaliar o que se passava naquele parque com uma praga vegetal. Dizia o PÚBLICO que tal se deve à falta de meios do ICNB. Digamos que a falta de meios tem as costas muito largas. Os serviços públicos estão cheios de funcionários e dificilmente se concebe que não se conseguisse encontrar um único funcionário capaz de ir até Aljezur. Provavelmente não encontraram nenhum porque devem estar todos entretidos a encomendar regulamentos para tornar impraticável a vida às populações dos parques naturais, nomeadamente aos residentes do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Este universo de doutoras e assessores sempre em reunião e sem disponibilidade para tratar das suas reais competências - por exemplo verificar se existe ou não uma praga numa zona protegida - é particularmente simbólica daquilo em que se transformaram muitos dos nossos serviços públicos.
Importa-se de repetir? Mário Mendes, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, declarou na Assembleia da República que a PJ desconhece o local do crime em 85 por cento dos casos. Confesso que não percebo. Duvido mesmo que alguém perceba.
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