03 novembro, 2008
A turma
“A turma” (Título original: “Entre les Murs”), um filme de Laurent Cantet.
Dia 1 de Novembro de 2008 - Cinema Londres- Sessão das 19 horas.
Laurent Cantet consegue, com este filme, o que se poderia julgar impossível: inquietar toda a gente. Não é só a escola e o sistema educativo que são aqui questionados; é a sociedade no seu todo. Bendita Palma de Ouro que lhe foi atribuída!
Está tudo neste filme: a turma, os alunos, os professores, a escola, o director, a sociedade, a adolescência, o multiculturalismo, a autoridade, a disciplina, a democracia, a insolência, o stress, o vazio, o empenho, a determinação, o colapso, a segregação, o optimismo, etc., etc.
Para quem não faz ideia do que são, hoje em dia, as aulas e do que se passa numa sala de aula este filme é uma lição, pelo sufoco que provoca. Quase que não se consegue respirar, de tal modo o realizador filma “em cima”. Não há grandes ângulos, grandes perspectivas, profundidade de campo.
O papel desempenhado por François, na qualidade de professor, é, simultaneamente, autoritário, permissivo, condescendente, provocador. A tudo isto acresece o seu estilo natural de dar voz a tudo, de deixar voar: não reprime nada, não ignora nada, não excomunga. Integra tudo. Tudo é passível de ser objecto de análise, de trabalho, de discussão (veja-se a questão colocada por Souleymane, sobre a possível homossexualidade do professor). A “matéria” da aula aparece aqui como um pretexto para outras abordagens e, por vezes, é completamente posta de lado, porque há coisas mais importantes para clarificar. Nunca se sabe até onde se pode ir, quais são os limites.
Tudo isto tem um preço, é claro. O professor permite-se uma abertura e uma frontalidade tais que, em determinado momento, cremos que lhe vão custar o lugar (como seja aquela referência ao facto de as alunas representantes da turma se terem comportado “como se fossem umas galdérias”).
A energia que François investe em cada aula é incomensurável. Mas não é evidente a exaustão. Porque não? Pelo facto de lidar com uma única turma? E se fossem 4 ou 5? O que sucederia?
A escola não se alheia à sociedade. A provável expulsão de França da mãe Wei, o jovem chinês, é o momento mais tocante do filme pelas repercussões que tem no brinde da professora grávida. O individual e o social confundem-se aqui. Tudo está ligado.
A insolência dos alunos (pelo menos de alguns) é por demais evidente. Quem está no ramo, conhece bem esta situação. Manter quase 30 adolescentes concentrados, em hora e meia de trabalho, é uma obra ingente. As nossas salas de aulas estão cheias de Esmeraldas, de Khoumbas e de Souleymanes.
O comportamento das 2 alunas representantes da turma na reunião de avaliação é quixotesco. Impressiona a passividade de todos os presentes, face a tão descabidos comportamentos. É um claro sinal de demissão da escola, face a comportamentos desviantes.
A cena em que os alunos discutem a importância/utilidade de terem de aprender o imperfeito do conjuntivo é, por si só, um bom pretexto para questionar o sistema educativo e as aprendizagens que promove. Que competências devem ser promovidas, que aprendizagens devem ser ensinadas? Esta será seguramente uma discussão sempre recorrente.
As duas últimas cenas do filme são paradigmáticas. Numa, uma aluna confessa ao professor que não aprendeu nada e pretende seguir um curso profissional; a outra (a cena derradeira do filme) mostra-nos uma sala vazia, desarrumada, desalinhada. É uma imagem inquietante de um ano de trabalho e da escola. O que ficou de um ano de trabalho, é a questão que o filme deixa em aberto. Mas a imagem que fica nas nossas retinas é de um grande vazio.
Curiosamente o nome original do filme é “Entre les Murs”. São os muros de cada um (do professor, dos alunos, do director, dos vários professores) , são os muros da escola (as imagens do recreio são sempre claustrofóbicas!). Todos estão prisioneiros, encurralados.
As palavras de Fernando Savater ganham aqui todo o sentido:
"Com verdadeiro pessimismo pode-se escrever contra a educação, mas o optimismo é imprescindível para estudá-la... e para exercê-la.
Os pessimistas podem ser bons domadores, mas não bons professores."
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