14 setembro, 2009

A instabilidade


Vasco Pulido Valente, no Público

A "era Sócrates" devia necessariamente acabar assim. Um poder centralizado no primeiro-ministro, um grupo parlamentar inane, uma tendência autoritária mais do que evidente e uma vontade mal escondida de controlar a sociedade tinham de criar uma oposição unânime à esquerda e à direita e de impedir qualquer colaboração futura não só entre o PS e os partidos que Sócrates desprezava ou ignorava, mas também, com a excepção do CDS e do PSD, entre toda a gente que ficou de fora e se viu obrigada à intransigência para sobreviver. Pior ainda: se a "moderação" e o catolicismo de Guterres fizeram o Bloco, o tão gabado "reformismo" de Sócrates conseguiu transformar um pequeno grupo sem consequência na terceira força do Parlamento e do país. Quem diz que não houve "asfixia democrática" evidentemente não percebe que esta campanha manifesta uma claríssima vontade de libertação. Se as sondagens mostram que o voto se espalhou, é porque ninguém quer uma nova maioria absoluta - um novo dono.
Sucede que, sem maioria absoluta, não haverá a tal estabilidade, que o Presidente da República (e alguns peritos) consideram indispensável num período de crise. E provavelmente até 2011, porque a Constituição impede o Presidente de dissolver a Assembleia nos primeiros seis meses a seguir à eleição (ou seja, até Março de 2010) e nos seis meses que precedem o fim do seu mandato (ou seja, a partir de Julho). Ficam assim quatro meses - de Março a Julho - para Cavaco se decidir a um acto muito semelhante a um golpe de Estado, que não está na sua inclinação e de que sem dúvida não retiraria qualquer vantagem pessoal. Vamos ter, portanto, se as sondagens não erram, uma certa agitação política: uma perspectiva que perturba a mente ordeira de alguns portugueses.
Mas será essa agitação em si própria má? Não me parece. Em primeiro lugar, porque um Parlamento dividido, de que o governo dependerá, readquire alguma da dignidade que perdeu desde 1989. Em segundo lugar, porque um Parlamento dividido é um Parlamento vigilante, que tenderá a expor (e a punir) qualquer abuso, favorecimento ou fraude, que venha de cima. Em terceiro lugar, porque Portugal precisa de hábitos de negociação e compromisso, que, como já se viu, a maioria absoluta dispensa ou militantemente rejeita. E, por fim, em quarto lugar, porque o cidadão comum, com a incerteza, talvez se comece a interessar pela vida pública. Isto, para mim, basta.

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