18 setembro, 2009

A gestão do pessoal



Helena Matos, Público

Não temos Ministério da Educação, mas um ministério que coloca os seus funcionários


Um dos melhores retratos da educação em Portugal é aquele que foi traçado nos recentes debates entre os líderes partidários. Os candidatos falaram sobre avaliação de professores, mas não sobre o ensino. Na verdade, em Portugal há muito que a educação se resume a uma questão laboral. Não temos propriamente Ministério da Educação, mas sim um ministério que coloca e gere as carreiras dos seus funcionários. E o próprio destino dos ministros da Educação é ditado não pelo que faz pela qualidade do ensino, mas sim sobre a relação que estabelece com os sindicatos do sector.

Que me recorde, e acompanho este assunto com alguma regularidade, a única questão pedagógica que politicamente se discutiu nos últimos tempos versava os conteúdos da Educação Sexual. Sobre o Português e a Matemática, o Inglês e a História só se fala a propósito dos resultados nos exames nacionais. A Filosofia e a Física têm qualquer dia tantos alunos quantos linces existem na Malcata. Da reforma gramatical iniciada com extraordinária leviandade e assinalável ignorância há cinco anos não se sabe onde pára... Mas nada disto parece ser suficientemente importante para que seja incluído nos debates destas legislativas na temática da educação.

É bizarro que o Estado português gaste em média cinco mil euros por ano com cada aluno no ensino dito gratuito, que os os exames revelem que estes mesmos alunos estão progressivamente a aprender menos, que tenhamos problemas graves de indisciplina em muitas escolas e que aquilo de que se fala quando se fala de educação seja do sistema de avaliação dos professores. E é muito preocupante que as lideranças partidárias estejam elas mesmas reféns dessa perversão que reduziu o ensino aos problemas laborais dos professores. Há que fazer uma total inversão das prioridades nesta matéria. A escola tem de ter no centro os alunos. Os professores, os edifícios, os funcionários só existem porque existem alunos. E esses alunos, até esclarecimento mais cabal, estão na escola para aprender, embora levem grande parte do tempo lectivo ocupados com umas disciplinas de nomes pomposos (como Estudo Acompanhado ou Formação Cívica) e conteúdo nulo.

Aliás, só a distância entre aquilo que os líderes partidários entendem ser a educação e aquilo que ela realmente é explica que, apesar dos debates terem acontecido em Setembro, mês do início das aulas, uma despesa como a dos manuais escolares não lhes tenha merecido grande atenção. Contudo, cada família gasta anualmente 150 a 200 euros, por criança, com os manuais que vão do 5.º ao 9.º anos, um valor muito superior ao das taxas moderadoras na saúde, assunto que os candidatos tanto apreciam discutir. E quando de alguma forma a temática dos manuais escolares é abordada, restringe-se inevitavelmente à questão daqueles que antes se chamavam pobres, depois carenciados, em seguida desfavorecidos e que agora creio serem definidos como tendo menores rendimentos, mas que, mais cruamente falando, são aqueles que não têm dinheiro para pagar os ditos manuais. Como é óbvio, o prémio da bondade nesta matéria vai para aqueles que reivindicam manuais gratuitos para todos ou, por outras palavras, defendem que os manuais ditos gratuitos sejam pagos através dos impostos, pois o gratuito infelizmente não existe.

Mas antes de passarmos o cheque, seja como contribuintes ou compradores, cabe perguntar: para quê tanto manual? Muitos deles, na verdade, não fazem falta alguma. Por exemplo, durante quanto tempo vamos ter de comprar manuais de Educação Física? Noutros casos as aulas são cada vez menos aulas e mais um papaguear autista dos manuais. E por fim temos uma questão incontornável: por que terão os manuais escolares de ter uma vida útil de dez meses? É espantoso que o correio electrónico nos interpele sobre a necessidade de imprimirmos isto ou aquilo e depois, todos os anos, assistimos impávidos a este desperdício de papel e dinheiro, como se ele fosse uma fatalidade. Bastaria que, no final do ano lectivo, se entregassem nas escolas os manuais usados, se seleccionassem os que poderiam ser usados de novo e no início do ano lectivo seguinte certamente que os alunos teriam de comprar novos manuais, mas não para todas as disciplinas.

A redução da escola a um espaço do qual os políticos apenas debatem a conflitualidade laboral e quando muito as questões do gratuito leva ainda a que tenha passado quase sem referência a degradação da escola pública enquanto instituição que, a par do serviço militar obrigatório, tinha o mérito de colocar, lado a lado, os filhos dos portugueses, independentemente dos rendimentos, habilitações e estatuto das respectivas famílias. Testemunhos mais ou menos avulsos dão conta de que uma das consequências da presente crise é o regresso de alguns filhos da classe média ao ensino público. Talvez a integração destes alunos e a presença das respectivas famílias sirva para questionar muito do folclore e da falta de autoridade que por lá se fazem sentir, sobretudo até ao 9.º ano. E naturalmente também para confrontar a classe política com o paradoxo que resulta de os portugueses serem suficientemente adultos para pagar impostos e para perceberem a importância da escolaridade obrigatória. Já na hora de decidirem qual escola, pública ou privada, desejam que os seus filhos frequentem, passam a irresponsáveis e o Estado português decide que os seus filhos só podem frequentar a escola pública da sua área de residência. Quando poderemos discutir a possibilidade de o Estado entregar à escola pública ou privada escolhida pelas famílias a verba que vai gastar com a escolaridade obrigatória dessas crianças? Tudo isto é demasiado importante e demasiado caro para que fique restringido no debate político à relação que o ministro oficial, o primeiro-ministro e os candidatos a sê-lo têm ou pensam vir a ter com o ministro-sombra, a saber Mário Nogueira, sobre o omnipresente assunto da gestão do pessoal.


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