18 setembro, 2009

Com receio, mas com esperança


José Miguel Júdice, Público

Tudo medido, e nesse pressuposto, vou dar o meu voto ao PS - pela primeira vez em eleições legislativas.

Vamos, portanto, ter eleições em 27 de Setembro. Tudo indica que o modelo de bipolarização (imperfeita), que dominou a política portuguesa desde 1979, terá chegado ao fim. E também é muito provável que o novo modelo de tripolarização (sobre que escrevi muitas vezes no passado) tenha vindo para ficar. A decorrência desta factualidade é que o PS terá uma tendência natural para se instalar mais na zona de centro-esquerda, passando a ser ele próprio uma espécie de bloco central, ou o "partido natural de governo" que em 1975/6 Mário Soares tentou construir.
Pode não ser assim; em dois cenários: se o PS quiser ilusoriamente pensar que pode ser o partido liderante ideologica e politicamente de uma esquerda que abrigue o PCP e o BE e, ao mesmo tempo, continuar a beneficiar do voto moderado e com isso guardando cerca de 35% do eleitorado, levando a "esquerda" a 55 ou 60%, o que é irrealista; desse modo cavariam o fosso em que cairiam. Ou se o PSD e o CDS conseguirem alcançar a maioria dos deputados e depois forem capazes de governar com sucesso, caso em que o PS entrará no declínio que atingiu ou está a atingir os seus congéneres na Itália, Alemanha e França.
Pelos dados consistentes das sondagens, pelos efeitos dos debates, pelas características de José Sócrates e de Manuela Ferreira Leite, pela dinâmica da campanha, e até pelo desejo oculto de muitos que normalmente votariam no PSD, tudo indica que o PS ganhará as eleições com uma muito curta diferença em relação ao PSD. E tudo indica também que o PSD e o CDS não conseguirão deputados que em conjunto lhes assegurem a maioria.
O PS e o PSD não irão provavelmente fazer qualquer coligação. Isso não desagradaria a um PS inteligente, pois poderia assegurar um governo de legislatura, a vitória (negociada) de Cavaco no início de 2011, o reforço do carácter estruturante para o sistema político do PS e a sua indispensabilidade, o aumento da votação futura no CDS e, com isso, a redução do papel liderante à direita do PSD.
Mas, talvez por muitos destes motivos, Ferreira Leite não quer a coligação; e, em função do resultado que irá obter em 27 de Setembro, tudo leva a pensar que continuará ao leme. O PSD quer que o PS tente governar durante 2010, que fracasse, que Cavaco seja reeleito com forte maioria e que depois marque eleições que darão ao PSD (eventualmente coligado com o CDS) maioria na Assembleia da República.
Nada disto é dramático, explicou há dias Pulido Valente num texto em que não usou uma única vez a palavra "reformas". Concordo que não é dramático: acho que será trágico.
Portugal precisa de profundas reformas para se aguentar no balanço das modificações que a crise financeira e o maior protagonismo de países de outros espaços historico-culturais irão cada vez mais assumir. Já precisava de reformas, aliás, antes disso. Sócrates percebeu e durante dois anos e meio teve força e convicção para as fazer. Por um conjunto variado de razões (a menor das quais não foi por certo a forma como o PSD e o CDS tentaram boicotá-las, em vez de simplesmente dizerem que eram poucas as reformas e só por isso más) o ímpeto reformista diminuiu em 2008 e quase se extinguiu em 2009. Em minha opinião, esta alteração foi importante para as dificuldades que está a sentir. Realmente, abrandar as reformas não lhe deu um voto à esquerda e fez perder votos à direita.
Os próximos anos vão ser decisivos para nós. Corremos o risco de não acompanhar a retoma que deverá acontecer na Europa em 2010 e, com isso, ficarmos ainda mais para trás. Todos os especialistas estão convictos de que Portugal precisa de levar até ao fim a reforma da administração pública, desburocratizar, colocar o sistema público de ensino a funcionar, conter os gastos de saúde, diminuir o peso do Estado, retirar privilégios aos funcionários públicos, flexibilizar o emprego, fazer funcionar com eficiência o sistema judicial, aumentar a accountability e diminuir a corrupção dos decisores administrativos, reorganizar político-administrativamente o território, melhorar a investigação criminal, favorecer mais o investimento com políticas activas, defender o território da degradação urbanística. Ninguém tem dúvidas, também, que o número de funcionários tem de diminuir. Portugal não tem massa crítica para sustentar um Estado tão pesado, sobretudo quando a União Europeia está a retirar aos Estados parte importante das suas funções.
Não acredito que um governo minoritário do PS consiga encetar ou aprofundar nenhuma destas reformas. Até porque para ele começa infelizmente a ser evidente que a salvação passa pela derrota de Cavaco Silva e, por isso, vai olhar mais para a esquerda. Mas também não acredito que um governo minoritário do PSD tenha mais possibilidades. Ferreira Leite é muito menos reformista do que Sócrates, e sendo mais idosa olha para o futuro de modo diverso. E o próprio Cavaco - que se exporá muito mais com um governo PSD - não é propriamente um adepto de reformas... sobretudo se lhe fizerem perder as eleições.
Um governo de coligação entre o PS e o PSD poderia ser a boa solução. Mas para isso seria essencial que os dois partidos se conseguissem colocar de acordo com um programa claro de reformas para realizar em quatro anos. Nada permite admitir que seja viável. Do ponto de vista ideológico, nada o impede. Roçamos o caricato quando a grande contraposição entre o PS e o PSD é a suspensão do TGV. Não tenho dúvida nenhuma de que pouco ou nada separa estes dois partidos no desejo de salvarem o modelo social em que vivemos e na convicção de que sem reformas profundas ele será cada vez mais insustentável.
Mas a luta política é raras vezes definível por contraposições ideológicas. Os partidos políticos combatem em regra com base em slogans, apriorismos, tensões e rivalidades pessoais, pintam com as cores da ética e dos valores o que quase nunca é mais do que a vontade de ganhar a qualquer preço e, por isso, sem quaisquer regras. Na política vale tudo e até tirar olhos. E por isso ninguém se deve admirar que, após anos de combates, seja a cegueira a característica que melhor define os dirigentes políticos portugueses.
Perante isto, que fazer? Não sou socialista e não tenciono vir a ser no futuro. Não tenho qualquer intenção de assumir nenhuma responsabilidade pública e, como será mais evidente no final deste artigo, quero concentrar-me cada vez mais na minha vida profissional. Não acredito nas capacidades de Manuela Ferreira Leite para governar Portugal e enfrentar os desafios que estão à nossa frente, sobretudo com um PS que - sem Sócrates, provavelmente - virará mais à esquerda. Se ela tivesse seguido o exemplo de Sónia Ghandi, talvez outro galo cantasse.
Para além disso, encontrei em José Sócrates uma vontade reformista que ninguém antes dele teve com tanta intensidade (excepção feita a Sá Carneiro, que só governou um ano). É certo que estou algo desiludido pela diminuição do ímpeto reformista, que compreendo, mas lamento. Espero que depois das eleições ele volte a tentar retomar o processo reformista e que o PSD se não coloque na posição negativista que o tem caracterizado, pois agora já não há maioria absoluta para fazer aprovar tudo sem necessidade do PSD apoiar, mesmo quando concorde.
Tudo medido, e nesse pressuposto, vou dar o meu voto ao PS - pela primeira vez em eleições legislativas. Será um voto em José Sócrates, que fique claro. E que não voltarei a dar no futuro se o ímpeto reformista que espero se não vier a concretizar. Digamos que é um voto receoso, mas com esperança. Julgo, aliás, que será assim o voto de muitos portugueses moderados. Que pouco precisam para si, mas que muito querem para Portugal e para os seus filhos e netos.
Vou interromper a minha colaboração com o PÚBLICO a partir de hoje. A vida profissional de advogado e árbitro será ainda mais a minha prioridade. Quero agradecer ao José Manuel Fernandes o convite que me fez, vai para quatro anos. E a forma como sempre aceitou - sem uma crítica - que expressasse opiniões nem sempre coincidentes, por vários motivos, com a linha ideológica dominante no jornal. Desejo ao PÚBLICO, também por isso, as maiores felicidades e sucesso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Algumas leis feitas pelo actual governo do PS têm que ser alteradas porque são demasiado extremistas e desprotegens os portugueses mais fracos: os trabalhadores assalariados entre outros. Mas para isso é necessário que a soma dos deputados de toda a esquerda seja superior à dos deputados de toda a direita, caso contrário isso não será possível.
Leis que necessitam alteração são por exemplo: "Leis dos Trabalho", "Leis da idade da Aposentação e da Reforma e os seus cálculos", "Avaliação na Função Pública" para Professores e restante Função Pública. Protecção das pequenas Empresas...., Reprivatização de sectores determinantes da economia nacional e onde não pode haver real concorrência de mercado: EDP, REN, GALP, GÁS, ÁGUAS... (Como teria sido se a CGD não fosse ainda um banco do Estado? acham teria aceite receber o falido o BPP? Quem perdia eram os depositantes: os banqueiros têm os seus "pés de meia" em locais seguros fora deste país em paraísos fiscais) Mas atenção: não voltemos a dar maioria absoluta ao PS nem a qualquer outro partido. Ganham a democracia, a trânsparência e os portugueses e perdem a arrogância, o compadrio, a corrupção.
Vamos evitar que outras medidas sejam tomadas pela Direita, como a privatização de parte da Segurança Social, o que implica perdas de receitas e de solidariedade dos assalariados que ganham mais que 6x o salário mínimo.

Zé da Burra o Alentejano