José Vítor Malheiros, Público
Eu preciso de saber quantas pessoas estão neste momento em Tahrir Square.
Há cerca de duas semanas que a minha rotina diária começa e acaba com visitas aos mesmos sites da Internet: a BBC e a Al-Jazira. Claro que não são os únicos e, a par destes, visito muitos outros sites de informação, de canais de televisão, de jornais, de blogues e, como não podia deixar de ser, sigo também os acontecimentos pelo Twitter e pelo Facebook e pelo Flickr e pelo YouTube, nos posts e nos tweets e nas fotos e nos vídeos de jornalistas, de organizações humanitárias, de investigadores, de pessoas comuns, de egípcios e de gente de todas as nacionalidades. Mas a BBC e a Al-Jazira têm sido os meus companheiros fiéis nesta tentativa de acompanhar os acontecimentos no Egipto. Os meus e os de muitos milhões de pessoas, em todo o mundo.
Não me deito sem saber como está a Praça Tahrir, não tomo o pequeno-almoço sem ver o que se passa nas ruas do Cairo. A BBC e a Al-Jazira não me contam apenas o que se passa, nem me mostram só entrevistas com especialistas, com políticos ou com pessoas da rua, nem põem apenas os seus repórteres a contar o que viram. Fazem tudo isso, mas mostram-me o que se passa na praça. E eu preciso de saber quantas pessoas estão neste momento em Tahrir Square. Às vezes preciso de esperar, porque a imagem está em diferido, mas é preciso ver em directo, preciso de ver como as pessoas se movem, se andam ou se correm, se vão todas na mesma direcção ou em sentidos diferentes, preciso de saber onde estão os tanques e quantos são. Preciso de ver como se mexem as figuras em beige. Se há projécteis em fogo pelo ar. Se há dois grupos que correm para a mesma clareira. Aprendi a ler a imagem de Tahrir Square quase como um analista militar. Os canais às vezes dividem o ecrã em dois, para que eu possa ver Tahrir Square de um lado, live, enquanto alguém fala do outro lado do ecrã, no estúdio. É como uma webcam das antigas, daquelas que olhávamos no início da Web, apontada para o quarto de um estudante num qualquer canto do mundo, só para nos mostrar que era possível, só para nos mostrar que estava lá, como uma luz de presença no quarto de uma criança. Só que agora as câmaras da televisão abrem a janela da minha Internet sobre o Cairo. Às vezes, quando abro um destes sites há um pivot a falar sobre outra coisa, um debate, cada vez com mais frequência o vídeo é ocupado com acontecimentos de outros pontos do mundo, mas eu espero para ver como está Tahrir Square. Aquela ilha de liberdade está, de alguma forma, sob a nossa protecção, através das televisões e da Internet. Precisamos de ver e de mostrar a todos que vemos, que sabemos o que se passa - se não noutras ruas pelo menos em Tahrir. Se fomos todos berlinenses com a televisão dos anos 60, nova-iorquinos com a TV cabo em 2001, somos hoje egípcios com a Internet.
Todas estas janelas fazem mais do que mostrar-nos as notícias. A Internet, o Facebook, o Twitter, o Flickr, o YouTube mostram-nos as pessoas. Uma por uma. Não sei se na praça estão 200.000 pessoas ou 2 milhões, mas sei que uma delas é a jovem Miral, sei que muitas foram mobilizadas pela morte do jovem Khaled Said, sei como falam, como se exprimem, como escrevem, sei que são como eu, sei o que querem e o que querem parece-me a coisa mais normal e mais justa do mundo.
E elas sabem que nós sabemos não por causa dos (tardios, tardios) discursos dos políticos, mas porque lhes mandamos mensagens e tweets e comentários às fotos tremidas tiradas com os telemóveis e porque há quem escreva no Flickr MY HEART IS IN EGYPT e porque, apesar de não falarem a mesma língua que nós e de escreverem aqueles rabiscos incompreensíveis nos seus estandartes e nas paredes e nos tanques, eles falam a mesma língua que nós: a procura da liberdade.
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