15 fevereiro, 2010

O fim



Rui Tavares, Público


Então é assim que Sócrates acaba.

Faz sentido. A imprensa foi sempre a sua grande fraqueza e - pelo menos após o "caso da licenciatura" - a sua grande causa de descontrolo emocional. Várias vezes ele foi prevenido, mas de nada serviu. E assim se perdeu.

Não gosto de ver isto acontecer. Tenho amizade por Sócrates - se é adequado escrevê-lo aqui, importa-me agora nada. Sócrates é de centro-esquerda, o que significa que estando eu muito à sua esquerda, significa também que ele não é completamente alheio à minha "família". Não retiro nenhum prazer da sua queda, e Zeus sabe como já me diverti a ver cair outros políticos. E, acima de tudo, sinto-me absolutamente exterior a uma agressiva arena feita de "anti-socráticos" para quem tudo vale desde que atinja em cheio o alvo do seu ódio e de "socráticos" para quem nunca se passa nada de errado, nada é irregular, nada se pode saber nem comentar. Nem esclarecer: se formalmente só há o "nada", como se pode esclarecer o nada?

Para uns nenhuma formalidade vale, para os outros só as formalidades valem.

Ouçam, uns e outros: eu não preciso de escutas - legais ou ilegais - para decidir sobre atos - legais ou ilegais - do primeiro-ministro. Nunca precisei. Quando critiquei o primeiro-ministro por causa da maneira como ele lidava com a imprensa, foi sempre até por causa de algo que ele tinha feito ou dito de forma inteiramente legal e legítima. E perguntavam-me: mas não tem um primeiro-ministro o direito de processar jornalistas ou a necessidade de exteriorizar a sua cólera quando se sente injuriado? Os processos ou os exabruptos contra jornalistas não são ilegais.

Mas há vários problemas, respondia eu. Nem tudo o que é legal é legítimo; nem tudo o que é legítimo é correto. Isto é verdade para o mais insignificante dos cidadãos, e muito verdade para um primeiro-ministro.

O primeiro e mais grave problema é que um primeiro-ministro dá ao resto da cadeia de comando - na administração, no seu partido e nas suas clientelas - o sinal de que é desejável assediar ou controlar a imprensa.

O segundo é que se tornam plausíveis todas as histórias sobre o primeiro-ministro e o desejo de controlar a imprensa. Para lá de todas as formalidades, as recentes especulações sobre uma rede em torno do primeiro-ministro, e com o objetivo de controlar a imprensa, são então isso: perfeitamente plausíveis.

E aí entra o terceiro problema. Uma história plausível não é nunca suficiente para condenar um cidadão, mas é mais do que suficiente para fazer um primeiro-ministro perder a confiança dos outros cidadãos.

Isto sempre foi uma possibilidade. E foi isto - cada um destes passos - que agora sucedeu.

Teoricamente, resta uma opção a Sócrates. Diz-se num parágrafo:

"Caros concidadãos: sem prejuízo da presunção de inocência das pessoas em concreto, quero repudiar aqui - no caso de se confirmar - a utilização do meu nome para quaisquer tentativas de compra ou controlo de grupos de media. Nunca dei, pessoalmente - sublinho, pessoalmente, já para não dizer política ou institucionalmente -, quaisquer indicações nesse sentido a Armando Vara, Paulo Penedos ou Rui Pedro Soares. Quaisquer diligências que eles possam ter feito com esse objetivo são gravíssimas e ilegítimas."

Se Sócrates não pode dizer isto - ou se em consciência sabe que não pode dizê-lo, o que deveria ir dar ao mesmo -, deve começar a preparar-se para não afundar consigo o seu partido, o seu Governo e o seu país.

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