Pedro Lomba, Público
Um país tem obrigação de se conhecer a si próprio. Ainda por cima, sendo velho de carga e experiências como nós somos. Já conhecemos de ginjeira as nossas condições geográficas e climatéricas para nos deixarmos enganar tão facilmente pela natureza. Deveria ser ao contrário. Não era a natureza que, ingrata, deveria estar a enganar-nos; nós é que deveríamos estar preparados para a fintar.
É mais ou menos aquilo que acontece a um homem de idade que, conhecendo com exactidão aquilo de que padece, persevera nos mesmos erros. Portugal é esse ser ancião. Se quiser, pode perfeitamente tirar da algibeira uma lista dos desastres maiores que lhe aconteceram no último século, para perceber melhor as suas vulnerabilidades. Sabendo os riscos a que está sujeito, poderia igualmente poupar-se mais.
Porque a natureza que temos é também a que sempre tivemos. Portugal não é como aqueles países desgraçados que todos os anos precisam de artes elaboradas para se protegerem contra vulcões, monções e tufões cada vez mais imprevisíveis. A natureza portuguesa, talvez por ser portuguesa, concede-nos o privilégio de ser pacífica e respeitadora. Quase não damos por ela. Não incomoda. Se tem dias, tem-nos muito espaçadamente. Aí, conforme aconteceu na Madeira, rebela-se e pode fazer estragos a sério.
É por ser tão essencialmente previsível que a natureza portuguesa não é de fiar. Corremos sempre o risco de andar distraídos se confiarmos nela em demasia. Os lisboetas e os algarvios vivem sob a ameaça de sofrer um tremor de terra e um maremoto que mais dia, menos dia pode dar cabo deles. As cidades costeiras e de baixa altitude são permeáveis à ocorrência de cheias e inundações. As ilhas atlânticas são naturalmente mais vulneráveis a intempéries e ao mau ordenamento do território.
Desconheço se a tempestade que assolou a Madeira poderia ter sido antecipada e não foi; nem se os seus danos poderiam ter sido minimizados. Também não é a altura certa para apurar responsabilidades e responsáveis, se é que eles existem.
Só estou a lembrar que temos de aprender a enganar a natureza. Existem cada vez mais formas e métodos científicos para o podermos fazer. Temos de investir nisso. A natureza portuguesa, apesar de traiçoeira, não é assim tão esperta. Não é tão esperta como nós. Devemo-lo às vítimas do desastre madeirense.
Ao mesmo tempo, na República começaram as hostilidades presidenciais. Fernando Nobre, o mais recente candidato às eleições do próximo ano, largou este comentário ontem em entrevista ao i: "Não podemos ter um senhor que foi durante 34 anos deputado do PS, vice-presidente da Assembleia da República indicado pelo PS, que pertence a um partido de que continua a ser deputado, diga que quer dinamizar um movimento de cidadania."
Quem pensava que as eleições à esquerda iriam ser Manuel Alegre e ponto final, enganou-se absurdamente. Já se percebeu que Alegre não cria o consenso nas esquerdas. Pior: que Alegre se precipitou na apresentação da sua candidatura, arrastando consigo o Bloco de Esquerda. O estado difícil de Sócrates também não o ajuda. Em circunstâncias normais, Alegre deveria ter comentado as suspeitas sobre a conduta do primeiro-ministro no caso TVI. Precisando do PS e de Sócrates, opta por manter o silêncio.
Bem sei que muita água ainda irá correr pelas pontes. Para começar, as águas são turvas. Estranhamente, sobre o melhor candidato que a esquerda e o centro-esquerda poderiam apresentar nas próximas presidenciais - Jaime Gama - e o único que talvez ameace Cavaco Silva, ninguém ainda disse uma palavra.
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