03 abril, 2011

Retrato de um chefe


Vasco Pulido Valente, Público


O dr. Passos Coelho resolveu pôr na rua o governo de Sócrates. Não sem provocação. Mas toda a gente esperava que ele tivesse alguma coisa dentro da cabeça e a comunicasse ao país. Não comunicou nada. O que ele fez foi começar uma sucessão de gafes que revelam uma inquietante tendência para aumentar em quantidade e qualidade. Começou por ir a Bruxelas declarar que, em caso de aperto, não hesitaria em subir o IVA. Esta inesperada franqueza provocou, como é óbvio, um grande embaraço ao PSD e o habitual chorrilho de trapalhadas (apoios, desmentidos, desculpas) que inevitavelmente deixaram o país mais perplexo do que estava. Aliviando a sua pessoa de meia dúzia de asneiras sobre o IVA e o IRS (de resto, desnecessárias), Passos Coelho não pareceu perturbado e passou a tarefas de outra natureza.

A primeira consistiu em entregar à FENPROF a avaliação dos professores que tinha levado uma eternidade a negociar e acabara numa meia derrota. Não sei quantos votos o PSD ganhou com esta espécie de exercício eleitoral, mas ganhasse os que ganhasse, a operação foi sórdida. Veio a seguir a sugestão para privatizar a CGD e a confissão (que ninguém lhe pedira) de que estava disposto a governar com o FMI. No meio disto, prometia também um programa para Abril, fabricado (ou dirigido) pelo dr. Catroga. E, para ir abrindo o apetite à populaça, aprovou por unanimidade no PSD um documento em que definia "pilares" ("pilares"?) num calão indigno do 12.º ano, que não houve português que percebesse ou levasse a sério. De qualquer maneira, a unanimidade agradou a Passos Coelho, que desde pequeno não gosta de conflitos.

Esta propensão para a concórdia universal é especialmente visível no partido, a quem ele jurou não aprovar uma aliança pré-eleitoral com o CDS. Para as luminárias lá de casa, esse acto de loucura custaria ao PSD, pelo menos, 21 deputados. Com essas preciosas criaturas talvez custe a maioria (absoluta) ao centro-direita e uma instabilidade permanente ao país. Não importa. Passos Coelho não quer zaragatas. Os jornais garantem que ele até nem tenciona excluir das listas nenhuma das facções que, depois de Marques Mendes, tornaram o PSD num objecto de irrisão e desprezo; e se prepara mesmo para convidar "independentes" (um género zoológico muito comum em épocas de eleições). Passos Coelho nunca diz "não". Consta mesmo que desistiu de exigir uma auditoria às contas públicas portuguesas, porque o Presidente da República e o Presidente da Comissão Europeia não achavam bem. Portugal que vote na ignorância do enorme sarilho em que o meteram. "Sim, dr. Cavaco!", "Sim, dr. Barroso!". Pedro Passos Coelho é um chefe.


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