09 fevereiro, 2007

O oportunismo dos católicos

Sob o título "O 'não' e os católicos", Vasco Pulido Valente, no seu inconfundível estilo, confronta e afronta, no Público de hoje, o oportunismo dos "novos" católicos. Assim:

Como já foi notado, o referendo sobre o aborto, apesar de um papel discreto da Igreja, revelou um certo ressurgimento do catolicismo ou, mais precisamente, o ressurgimento de um certo catolicismo. Não do catolicismo popular, que sempre existiu (97,6 por cento dos portugueses garantem que são católicos), mas do catolicismo da classe média. Não custa compreender porquê. O fracasso do "socialismo real" - e, com ele, das várias variantes do marxismo universitário e político - deixou um vácuo. A social-democracia, como praticada à esquerda e à direita na "Europa" inteira, não inspira filosoficamente ninguém. E a relativa ausência da Igreja da vida pública e da vida oficial fez morrer os restos do anticlericalismo jacobino e maçónico, que ainda sobravam da I República e da oposição a Salazar. Quem anda à procura de um sentido para o mundo obscuro e cada vez mais mutável que é nosso (e há muita gente que anda) ficou assim com a Igreja ou perto da Igreja.
Essa aproximação é, no entanto, ambígua. O "novos" católicos não aceitam a ortodoxia e o magistério na parte, ou partes, que frontalmente colidem com o seu interesse ou a ideologia dominante. Poucos condenam o sexo pré-marital, o divórcio, a união de facto ou a contracepção. Um número considerável não condena (ou finge que não condena) a homossexualidade. E a maioria só rejeita o casamento de homossexuais (que, de resto, não provoca um grande furor), a adopção de crianças por homossexuais (que até hoje não se discutiu a sério em Portugal) e, claro, o aborto. O "novo" católico ou a "nova" católica é um ser, para usar o calão em curso, "compartimentalizado". O que significa que é ou não é católico conforme o caso, a oportunidade e a circunstância e que se não sente por isso menos católico.
A necessidade, ou a vontade, de se adaptar a uma civilização hostil (uma "civilização de morte", hedonista e materialista - Ratzinger dixit) produziu esta espécie estranha, que por aí prolifera fora e frequentemente contra a disciplina da Igreja. Verdade que nunca a Igreja conseguiu impor a sua regra ao conjunto dos fiéis. Mas verdade também que a Igreja não é uma organização liberal ou democrática e que não existe sem obediência. A campanha do "não", no seu entusiasmo, no seu zelo e mesmo no seu excesso, mostrou, de facto, a força do sentimento católico em Portugal. Talvez porque a questão do aborto não separa os católicos da Igreja.

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