05 maio, 2010

O maravilhoso mundo do PowerPoint

José Vítor Malheiros, Público

O programa da Microsoft é óptimo para apresentar listas. O problema é que, na vida, nem tudo são listas.

Na semana passada, o New York Times publicou um esquema que representava a estratégia americana no Afeganistão. O desenho, que fazia parte de uma apresentação feita aos líderes militares ocidentais no país, e que já tinha sido revelado pelo correspondente da NBC em Cabul no final do ano passado, representa as várias forças no terreno e todos os factores que interferem na situação política e militar. Tudo aquilo é depois ligado por um emaranhado de setas que, em teoria, mostra a relação entre todos os intervenientes e torna evidente o que se passa e o que se pretende (http://msnbcmedia.msn.com/i/MSNBC/Components/Photo/2009/December/091202/091203-engel-big-9a.jpg).

A imagem é incompreensível. "Quando conseguirmos perceber este diapositivo, vamos ganhar a guerra", foi o comentário do general Stanley A. McChrystal, líder das forças da NATO no Afeganistão, citado pelo NYT.

O esquema, que foi comparado a um prato de esparguete, é apenas um dos muitos exemplos da praga chamada PowerPoint, um programa de gestão de apresentações da Microsoft que há anos vem poluindo o mundo político e científico, as apresentações públicas e as nossas escolas com o que de pior o marketing tem para mostrar.

As limitações do PowerPoint são conhecidas há muito. O seu maior crítico é o designer Edward R. Tufte, que, em 2006, publicou o fascinante e demolidor The cognitive style of PowerPoint, que se debruça nomeadamente sobre a responsabilidade do uso do PowerPoint na explosão do vaivém Columbia em 2003. Mas a ferramenta continua a ser cada vez mais usada e a espalhar o seu veneno pelos auditórios de todo o mundo.

É verdade que a responsabilidade de tudo isto não é do PowerPoint em si mas do uso que as pessoas fazem dele. É possível fazer um bom uso do programa e todos nós já tivemos oportunidades de o constatar. Só que o PowerPoint e os seus templates convidam os utilizadores a fazer apresentações onde a racionalidade está rarefeita e cujo único fito parece ser hipnotizar audiências. Um dos vícios mais perniciosos que o PowerPoint generalizou foi a utilização de listas de itens com bullets - aquelas bolinhas pretas que aparecem à frente das frases. Eu adoro listas. Só que as listas têm um problema: são óptimas para levar para o supermercado mas não são o melhor método para apresentar uma argumentação complexa. E é isso que o PowerPoint tem tendência a fazer: suprime a argumentação em favor de listas de tópicos, põe todos os argumentos ao mesmo nível, apaga o contexto que dá sentido a um raciocínio, faz desaparecer as dúvidas e as interrogações, reduz uma situação complexa a um esquema incompreensível e, o que é o pior de tudo, dá-nos a ilusão de que as coisas são mais claras do que são de facto, estimulando o uso de sound bites em vez de argumentação e de imagens em vez de discurso. Tufte dizia que o programa sacrifica o conteúdo à forma e transforma uma sessão de informação numa sessão de vendas e os apresentadores em publicitários. Um dos militares citado pelo NYT é mais directo: "O PowerPoint torna-nos estúpidos".

Há tantos problemas à volta do uso do PowerPoint que esta página seria pequena só para fazer a lista (e uma lista, mesmo com bullets, não serviria para muito) mas fiquemo-nos por dois dos mais terríveis: de ferramenta de apresentação, o PowerPoint está a passar a ferramenta de comunicação em geral e é usado, por exemplo, para transmitir ordens no meio militar. O problema? As ordens parecem claras, mas não são. Outro problema: o PowerPoint está a transformar-se na ferramenta de escolha para apresentação de trabalhos escolares, com as suas listas de tópicos e belas imagens a substituir o velho texto onde se podia descascar uma ideia, explicar coisas detalhadamente e até (como dizer?) reflectir em voz alta.


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