Ricardo Garcia, Pública
Finalmente uma solução! Finalmente o jornal em que trabalho encontrou uma forma de combater um dos maiores cancros associados às tão reverenciadas novas tecnologias: o desperdício de papel.
Não é preciso dizer muito, todos conhecemos o padrão. Estamos à secretária, na posição de máxima produção laboral, ou seja, sentados em fusão glútea com a cadeira, as mãos sobre o teclado, em febril actividade digitativa, e os olhos no ecrã do computador, a assimilar coisas importantíssimas que não têm existência material. E é precisamente este incómodo carácter incorpóreo da realidade virtual que acaba por nos empurrar para o abismo.
Podemos ler qualquer documento no próprio computador. Mas as mãos são para usar, de contrário não valia a pena tanto esforço evolutivo da espécie humana. Resultado: imprimir. A máquina, porém, está lá longe e, no caminho, cruzamo-nos com um colega.
- Então, viste a selecção ontem?
- Que desgraça!
O desvio para o terreno ludopédico convida a um café, que se sorve em completa abstracção dos afazeres que, momentos antes, tanto ocupavam o intelecto. A agulha mental facilmente muda de um assunto para o outro. Regressamos ao posto de trabalho e já nem nos lembramos que tínhamos mandado imprimir 75 páginas de um relatório, cujo interesse reside num gráfico da página 37.
Só quando se envia para a impressora uma nova ordem de marcha, é que nos lembramos do relatório. Mas, nessa altura, na bandeja de saída já se acumulam sete centímetros sólidos de informação variada, que todos mandaram imprimir, mas ninguém foi buscar. Não há hipótese de resgate do relatório, fatalmente soterrado por uma árvore em fatias.
Nem o relatório, nem as notícias. O papel encravou há 15 minutos e há uma longa fila de documentos para serem materializados. Quando alguém se digna a resolver o problema, já ninguém quer saber daquilo que mandou imprimir. Mais duas árvores para o galheiro.
E assim tem sido a prodigiosa Internet, que prometia um mundo sem papéis, mas que afinal teve o efeito contrário. Para minimizar os danos, trago para casa as folhas impressas, para aproveitar o verso, mas é uma mera ilusão ecológica: a reutilização, neste caso, só é possível porque há desperdício.
Agora, não. Tudo promete mudar, devido a um inteligente sistema instalado há pouco na redacção. As novas impressoras só funcionam se estivermos à frente delas, em comunhão física com a máquina, munidos de um chip que acciona as nossas ordens. Se a pessoa não se levanta, nada se imprime. Pensei em pôr o chip no próprio corpo, para não o perder. Mas dado o posicionamento do respectivo leitor, a meio da altura humana, rapidamente cheguei à conclusão de que a instalação cutânea da banda magnética estaria limitada por sérios constrangimentos físicos, éticos e sobretudo morais. O sistema é uma beleza e as bandejas das impressoras estão agora limpinhas.
Como em qualquer novidade, há reacções adversas, neste caso sobretudo em relação à capacidade de as máquinas armazenarem a informação que queremos imprimir, o que pode revelar sérios segredos profissionais - como o programa do Rock"n"Rio, as emissões de CO2 do Gabão, a classificação da Liga, o último relatório do Banco de Portugal, a agenda da próxima reunião da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira e sobretudo o trabalho de Área Projecto da filha do colega que se senta atrás do segundo pilar à esquerda, ao fundo.
Pois é, a ameaça é séria. Mas antes já lá estava tudo, em carne e osso, quer dizer, em papel, à espera dos respectivos donos, que nunca apareciam. Pensando bem, se calhar a segurança interna melhorou.