Pedro Lomba, Público
Ontem mesmo fiquei a saber, em texto de Patrícia Carvalho neste jornal, que as redes sociais têm contribuído para o aumento dos divórcios e das separações. Os números sobre Portugal podem ainda não ser seguros. Mas a tendência existe. Toda a gente sabe de casos, ouviu rumores. A infidelidade digital, que acontece quando maridos ou esposas são traídos por meios electrónicos, é hoje a antessala da infidelidade real. A seguir vem a vingança, servida a frio e com links.
Não admira que o artigo em causa terminasse com uma lista de mandamentos prudentes dirigidos a utilizadores de Facebook e companhia. Não se gabe, não se exiba, não destrate o ex-cônjuge e por aí fora. Tudo o que fizer no mundo digital pode fazer prova contra si no mundo analógico. Abstenha-se e suporte, como recomendavam os estóicos. Ao menos até o juiz decidir as questões prosaicas, fique quieto. Ou, caso ele ande por lá, adicione o meretíssimo no Facebook. Sempre pode ajudar.
O declínio da privacidade é sem dúvida uma marca dos tempos. Através da Internet, da blogosfera, das redes sociais, a vida privada tem-se tornado cada vez mais pública e transmissível. O alargamento de tudo o que é público está ligado a uma tolerância maior com a exposição de informação privada, pessoal e familiar; e com a mudança do que cada de um de nós considera partilhável com os outros. A velha consciência de que havia uma separação entre o público e o privado, que aconselhava recato num e permita liberdade no outro, está em completa transformação.
E o inverso também sucede. A ideia de vida pública está hoje mais privatizada e individualizada. Em grande parte devido à Internet, que oferece a qualquer um de nós experimentar a vida reduzindo a interacção com os outros e filtrando tudo o que não lhes interessa. Esse tipo de privatização da experiência está em crescendo e é uma das causas, por exemplo, um pouco por todo o lado do declínio dos jornais. Como se cada leitor exigisse um jornal rigorosamente feito à sua medida. Um jornal que não existe nem pode existir.
Muitas vezes nos falta a noção de que os códigos sociais também possuem uma história. Vida pública e vida privada, tal como falamos deles, são obviamente conceitos modernos. No passado, ninguém intuía que tinha uma vida privada. O paço seria o palco da vida pública, onde as pessoas agiam sabendo que eram vistos, o que implicava uma certa dose de representação. Nas cortes das monarquias absolutas, a representação continuava a ser a norma. Essa vida pública consistia em extraordinários momentos de encenação da personalidade. Deram-nos boas citações e melhores moralistas.
A partir do século XIX, a socialização colectiva deslocou-se para a cidade. O liberalismo acentuou a defesa da individualidade e dum reduto privado contra um poder estadual potencialmente intrusivo. E a vida pública passou a ser confundida essencialmente com a vida política.
Desde que a Internet nasceu (em 1990) que estamos a passar por uma fase de socialização absoluta e compulsiva que parece estar a reunificar a vida pública e a vida privada tal como as conhecíamos. Ainda não compreendemos bem as consequências deste processo a longo. Mas os "estragos" imediatos que causa estão aí. Da formação da personalidade ao casamento, das amizades à exibição dos comportamentos, está a ser tudo devorado por esta nova era de oportunidades digitais.
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