24 dezembro, 2009

A maldição da procuradoria


Pedro Lomba, Público

Estará o cargo de procurador-geral da República amaldiçoado? Tem sido dito que sim. Cada titular que por lá passa acaba a tropeçar nos seus fantasmas. Não interessa se chega pleno de confiança e boa vontade. As sombras do cargo encarregam-se de criar armadilhas escondidas, de o assustar de qualquer forma, de o pôr em rota de colisão com o poder político.

Pode ser que o feitiço venha já de Cunha Rodrigues. Mas hoje cada caso mediático que aterra nas mãos do procurador actua como tremor de terra. O processo Casa Pia, que produziu um julgamento com cerca de 400 testemunhas e inconcebivelmente ainda não terminou, arrumou com Souto Moura. Agora, coube ao actual PGR, Pinto Monteiro, liderar o Ministério Público num tempo de grande exposição junto dos meios de comunicação social, de vários casos mediáticos em que o primeiro-ministro (com a enorme desconfiança que provoca) é personagem ou quase-personagem duma perturbadora berlusconização do regime.

Tenho a confessar-vos o meu agnosticismo. Não creio que existam cargos enguiçados. Há, isso sim, cargos especialmente difíceis e é verdade que poucos estarão à altura do seu exercício. Além disso, sabemos que, na Procuradoria, mesmo quem disponha das condições técnicas e intelectuais necessárias pode ver-se impedido de o exercer com sucesso, devido a pressões internas ou externas.

Depois do último ano e meio, a única conclusão que devemos retirar - e não o digo com leviandade - é a de que o PGR perdeu objectivamente condições para merecer a nossa confiança. Perdeu autoridade e o reconhecimento dos seus magistrados; não foi capaz, por sua culpa ou por motivos de organização institucional que o transcendem, de conter o peso do sindicato do Ministério Público; não reagiu à pressão dos media; não deu explicações convincentes sobre o comportamento da justiça nos processos em que José Sócrates se viu envolvido. Se os portugueses não encaram o Ministério Público com mais confiança da que distribuem pelos outros agentes da justiça, este PGR nada fez para o evitar. Pinto Monteiro tornou-se parte do problema, já não pode ser solução."Ninguém está acima da crítica", disse José Sócrates esta semana na Assembleia. De certeza que o nosso primeiro-ministro não estaria a falar dele próprio. Mas tem razão: não há mesmo ninguém acima da crítica. Por isso, que confiança nos pode continuar a merecer um PGR que no processo Face Oculta, no momento em que mais estava a ser acossado, ameaçou publicamente que divulgava as escutas entre Sócrates e Armando Vara "para ver se isto acalma"? Que confiança podemos ter num PGR que deixou as certidões extraídas das escutas quase todo o Verão na masmorra da Procuradoria, enquanto os cidadãos viam eventos suspeitos acontecerem diante dos seus olhos durante a campanha eleitoral? Que espécie de deferência teremos por um PGR que considerou não existirem indícios criminais nos factos contidos nas certidões - ao mesmo tempo que requeria ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça que ajuizasse da validade das escutas?

Pergunto: qual é confiança que podemos ter num PGR que negou em Março a existência de quaisquer "pressões ou intimidações" sobre o processo Freeport, para em Maio (forçado pelas denúncias públicas do sindicato do Ministério Público) acabar desautorizado pela abertura de um inquérito que concluiu pela existência dessas pressões do procurador Lopes da Mota? Como podemos confiar num PGR que hesita tanto e se explica tão pouco?

Sem comentários: