01 julho, 2009

Um mundo obsceno entre a política e os negócios


01.07.2009, Paulo Ferreira, no Público

Tráfico de favores, pressões ilegítimas, chantagens várias. As zangas servem, pelo menos, para vermos onde estamos metidos.

As acusações de Henrique Granadeiro ao PSD e a Manuela Ferreira Leite como resposta à polémica sobre a entrada da PT no capital da TVI têm a enorme vantagem de nos revelarem a forma obscena como se relaciona uma parte das elites políticas e empresariais em Portugal.
O presidente da administração da PT, em declarações ao jornal I, faz uma acusação e uma insinuação.
A primeira é que foi a "intervenção do Governo do PSD na Lusomundo Media" que, em 2004, levou à sua demissão da empresa, que estava integrada no Grupo PT e que era a dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, entre outros, e da rádio TSF. Estávamos então em plena governação de Santana Lopes.
A insinuação é que a compra da rede fixa de telecomunicações feita pela PT ao Estado, em 2002, aconteceu apenas por pressão da então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, e daí resultou prejuízo para a PT e para os seus accionistas. É preciso lembrar que este negócio, de 365 milhões de euros, foi uma das receitas extraordinárias a que o Governo PSD/CDS recorreu para manter o défice abaixo dos 3 por cento.
Independentemente do detalhe dos factos e dos seus verdadeiros protagonistas - o primeiro caso deixa Manuela Ferreira de Leite de lado e o segundo, de acordo com a própria, já estava desenhado pelo Governo do PS, embora seja indesmentível que foi ela que o fez e que, se quisesse, podia tê-lo travado -, o que importa mais aqui é o que este episódio significa.
Estamos, antes de mais, perante uma rara confissão de alguém que viveu por dentro estes jogos de corredores e que, aparentemente, até foi vítima deles. Há a percepção generalizada que as pressões e trocas de favores entre políticos e gestores são muitas. Mas elas ficam, em regra, naquele limbo entre o que está provado e o que não está, entre os factos e as suspeitas. Até que os casos são esquecidos e desaparecem da agenda política e mediática. Repare-
-se, por exemplo, como vai ficar sempre nessa zona cinzenta a verdadeira intervenção de José Sócrates no entretanto abortado negócio da PT/TVI. Ou como já tinha ficado aquele a que se refere agora Granadeiro.

A declaração invulgar do presidente da PT tem essa vantagem de nos mostrar que a promiscuidade entre governos e empresas é mais do que uma teoria da conspiração.
Mas diz-nos mais. Diz-nos que a responsabilidade deste estado de coisas é dos políticos, que têm o poder para condicionar, para chantagear ou para traficar influências, mas também é dos gestores, que, do outro lado, são cúmplices activos destas práticas vergonhosas, quando não são mesmo protagonistas.
Granadeiro teria prestado um enorme serviço ao país se, em 2004, quando foi demitido por pressão do Governo de então, tivesse denunciado prontamente esse escândalo.
De igual forma, o país tinha razões para ficar grato à administração de Miguel Horta e Costa se esta tivesse batido o pé à compra da rede de telecomunicações imposta pelo Governo, argumentando que o negócio era prejudicial para a empresa, para os seus accionistas e também, como se veio a verificar, para os consumidores.Pelo contrário, o que ouvimos à empresa é que queria mesmo comprar.
Na altura certa, como se vê, todos preferem calar e ficar credores de favores que cobram mais tarde. Quando estas revelações são feitas, sabem sempre a ajustes de contas tardios. Ainda assim, é preferível saber destas coisas tarde do que não saber de todo.
Este é, provavelmente, o mais mortífero pântano em que o país está mergulhado: o tráfico de favores ilegítimos, as alianças de ocasião, a conta-corrente sempre por saldar.
O prejuízo para o país é incalculável. O interesse público é desvirtuado, a concorrência é condicionada, o ambiente democrático é conspurcado, a racionalidade dos negócios é ignorada.
Queira-se ou não, isto é uma forma de corrupção, ainda que possa não envolver dinheiro vivo transportado em malas ou contas em off-shores discretos. E, mais do que a outra, está aí aos olhos de quem quiser reparar nela.

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