28 julho, 2009

O PS, Joana Amaral Dias e a sombra da mentira


28.07.2009, Nuno Pacheco, Público

É urgente que o caso PS-Joana Amaral Dias se esclareça. Já não pelo convite, agora mera irrelevância, mas porque é imperioso saber quem mentiu ou mente ainda

Um convite do Partido Socialista a Joana Amaral Dias para eventual participação nas listas do partido às legislativas era coisa que não mereceria mais do que uma dúzia de linhas num jornal. Foi, aliás, o espaço que ocupou no PÚBLICO. Porque faz parte do jogo eleitoral qualquer partido tentar subtrair votos aos adversários conquistando-lhes potenciais trunfos. Poderá ser entendido de outro modo o convite (aliás aceite) a Miguel Vale de Almeida, ex-dirigente bloquista? Não, não pode. Por razões de conveniência, cuja sinceridade caberá aos eleitores avaliar, o PS quer dar sinais de maior abrangência à sua esquerda e tais convites (incluindo aqui, obviamente, o de Inês de Medeiros) têm por claro objectivo corporizar tais sinais em figuras reconhecíveis. Daí não viria mal ao mundo se, neste episódio, não se tivessem cruzado versões totalmente incompatíveis. E, confrontando-as, é impossível não pensar que alguém, seja quem for, está a mentir.
Na sexta-feira, Joana Amaral Dias disse ao PÚBLICO ter sido convidada a integrar a lista do PS por Coimbra, para segundo lugar. Recusou, disse ela, "por motivos óbvios", afirmando-se "militante de base" do BE e "defensora das ideias e projectos" do partido (PÚBLICO, 25/7). Depois, foi a vez de Francisco Louçã vir afirmar que os convites não tinham ficado por aí. Também teriam "sugerido" que ela pudesse vir a ocupar a presidência do IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência "ou um cargo no Governo". Tudo, como se subentende, se surgisse na campanha do lado do PS - que era afinal o que interessava.

Aqui começaram as acusações. Louçã acusou Sócrates de "tráfico de influências" e Sócrates acusou Louçã de utilizar "uma falsidade" para o atacar. Mais: desmentiu "categoricamente" ter convidado Joana Amaral Dias ou ter "pedido a alguém para a convidar" em nome do PS. Isto invalidaria que alguém no PS tivesse tentado convidá-la? De modo algum, mas não é crível que tomasse tal iniciativa sem que Sócrates tivesse dela prévio conhecimento. Portanto, das duas uma: ou Joana Amaral Dias (convenientemente ausente em Espanha e incontactável pelos media) explica de forma clara quem a convidou, quando e como, pondo o PS em xeque, ou ficará ela própria sob suspeita de ter mentido por razões que convirá apurar. De qualquer modo, é urgente que o caso se esclareça. Já não pelo convite, mera irrelevância no ponto a que se chegou, mas por uma questão muito simples: é imperioso saber quem mentiu ou mente ainda.
"A democracia não permite traficâncias", disse Louçã no meio desta polémica. Mas a verdade é que permite. Como permitem as ditaduras, aliás. Só que, ao contrário destas, a democracia permite também descobri-las, denunciá-las e, em última instância, pôr-lhes fim com um preço, pessoal ou político. É neste ponto que uma opinião pública atenta e bem informada é essencial. Porque é ela que, em derradeira análise, fará tal cobrança.

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