09 abril, 2011

Tudo inocentes?

Vasco Pulido Valente, Público

Sócrates começou por jurar que não governaria Portugal com o FMI: porque "a agenda" do FMI implicaria uma "factura" pesada durante anos. Depois perguntou histericamente aos portugueses se queriam um governo com FMI ou sem FMI. E, uma vez posto em minoria na Assembleia, declarou que não tinha os poderes para negociar com o FMI, para anteontem com um prelúdio muito comovedor sobre "patriotismo", a cargo de Francisco Assis, pedir ajuda ao sobredito FMI. Mas não nos deu a confiança de esclarecer que espécie de "ajuda": se uma ajuda "intercalar" (que aparentemente não existe), se uma ajuda "mínima" (como quer Passos Coelho), ou se um "resgate" por inteiro, com as consequências do costume. O retrato do primeiro-ministro está todo neste deprimente espectáculo.

Só que o mais deprimente destes meses de Março e Abril não foi, como devia ser, o eng. Sócrates - foi a irrupção de génios pela televisão e pela imprensa que já sabiam a história inteira e se preparam agora para explicar por que razão o FMI era preciso (e, para a maior parte, ele era preciso há muito tempo) e o que pouco a pouco nos trouxera a este trágico sarilho. Com o seu arzinho presunçoso e professoral, economistas, financeiros, banqueiros, filósofos e arraia-miúda vieram revelar ao indígena atónito que nada, ou quase nada, se fizera de lógico e sensato de 1990-95 para cá. Não vale a pena repetir a ladainha. Ninguém duvida que o nosso enormíssimo buraco não se cavou num dia. Infelizmente, esta constatação pede uma pergunta óbvia: em que se ocupavam os sábios que hoje com tanto gosto nos predicam, enquanto os partidos (o PS e o PSD) arruinavam o país?

A ortodoxia em moda apela a que não se procurem "culpados". Mas, se, de facto, não se procurarem "culpados", para quem fica a culpa do tristíssimo fracasso do Portugal democrático? Para a má vontade de um Deus perverso? Para o destino? Ou para a insuficiência atávica do indígena? Era bom apurar isto, porque, se alguma destas três possibilidades (principalmente a última) ofende a delicadeza nacional, a única saída que nos resta é aceitar a ecuménica loucura dos portugueses. Quem se deixa chegar onde chegámos, levado por três dúzias de políticos, sempre reeleitos e até, às vezes, respeitados, não merece outro nome. E, pior ainda, quem desiste da verdade acaba inevitavelmente por desistir de si próprio.


1 comentário:

Miguel Pinto disse...

Viva, Gonçalo.
Vou divulgar esta crónica no meu cantinho.
A culpa não pode morrer solteira!