José Vítor Malheiros, Público
Todos gostamos de histórias e estamos dispostos a investir o tempo necessário para as ouvir
As estatísticas dizem isso há anos, mas como as estatísticas não são mais do que um dos três tipos de mentiras que há no mundo, como lembrava Mark Twain, é prudente duvidar. Só que desta vez é verdade: os portugueses estão a ler mais. A ler mais livros, entenda-se - além de andarem a ler mais no geral (se contarmos os jornais gratuitos e a Web e os SMS).
Como é que eu sei? Sei, porque na semana passada entrei numa carruagem de metro de Lisboa, na Linha Azul, e havia, num raio de cinco metros, sete-pessoas-sete a ler livros. Livros a sério, alguns grossos, alguns já perto do fim, quase todos romances. A maior parte dos leitores eram mulheres (4-3), como sempre, mas os homens até estavam bem representados na amostra. E além destes ainda havia várias pessoas a ler jornais e revistas, uns gratuitos, outros nem por isso. Algo impensável há dez anos e um dos raros sinais de esperança do presente.
Como se explica o fenómeno? A subida da escolaridade média e as iniciativas do Plano Nacional de Leitura têm certamente algo a ver com isso, mas a minha explicação favorita é a Web.
As décadas de explosão dos media ensinaram-nos que quanto mais informação se consome... mais informação se quer consumir. A informação que consumimos hoje desperta apetite por mais informação amanhã. Lemos histórias que queremos saber como continuam, que queremos saber como acabam. E a informação a que acedemos hoje cria um contexto no qual a informação de amanhã ganha mais sentido, se torna mais interessante. A narrativa vai ficando cada vez mais rica. Por outro lado, à medida que acumulamos informação e vamos encontrando as peças do puzzle, as lacunas no nosso conhecimento vão-se tornando evidentes e acabam por se tornar insuportáveis. Precisamos de saber.
Por outro lado, a verdade é que todos gostamos de histórias - sejam elas notícias ou romances - e estamos dispostos a investir o tempo necessário para as ouvir se tivermos um razoável grau de certeza de que elas vão fazer sentido para nós. É aqui que a Web - e as redes sociais e os telemóveis - ganham importância. A Web, pela informação que permite partilhar entre amigos e conhecidos, entre membros de uma mesma rede, entre especialistas e leigos, tem um imenso poder de recomendação - como os sites de livros ou discos bem sabem. O embaraço da escolha é uma das muitas razões que nos pode fazer adiar uma compra - quer se trate de um livro, de um carro ou de um vinho - e a existência de uma recomendação de alguém em quem confiamos (porque sabe mais do que nós ou, pelo contrário, porque é alguém como nós) facilita a decisão da compra.
A leitura, depois, alimenta-se a si própria. O mais difícil é começar. Uma vez descoberta a magia da leitura e dispondo de um mínimo de orientação, é fácil continuar. E a maior ligação existente entre pessoas (e não menor, como se receava há uns anos), através de redes sociais e telemóveis, funciona como estímulo. Já sabíamos que as pessoas liam notícias principalmente para poderem falar umas com as outras sobre o que aconteceu. O que acontece com a literatura não é diferente: quando um livro, para além de conversar connosco, se transforma em tema de conversa ("Já leste? Onde é que vais? Não achas fantástico? Viste a maneira como ele conta a viagem?"), não é possível mantermo-nos de fora. Na primeira oportunidade compramos o livro ou - mais raramente - requisitamo-lo numa biblioteca.
Pode ser que a crise se traduza num maior recurso às bibliotecas - o que seria uma conquista. As bibliotecas têm segredos insuspeitos e emprestam-nos livros que nunca compraríamos. Se ainda não tem o vício da leitura, hoje, dia de greve geral, é um bom dia para começar. Não precisa de passar o dia todo em manifestações. Pegue num dos livros que estão à espera na sua estante. Leve-o para um jardim e leia. Escolha um livro inspirador. Continuamos a precisar de ideias para mudar o mundo.
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