24 outubro, 2009

Só ele é que existe



Vasco Pulido Valente, Público

Depois de semanas de um inútil mistério e de grande especulação, foi anunciado o Governo. E toda a gente vai agora falar e escrever ininterruptamente sobre a coisa. Não percebo porquê. O Governo não mudou. Sócrates ficou com o pequeno grupo quetodo lo manda : Silva Pereira, Teixeira dos Santos, Santos Silva, Vieira da Silva e o dr. Amado. O resto, como explicava Cavaco, são "ajudantes". A intenção é, como sempre, aumentar e concentrar o poder do chefe, ou seja, dele mesmo. Não há outra. Sócrates quer uma obediência incondicional (ou até servil) e as mãos livres para decidir o que lhe apetecer. Sem explicações, nem obstáculos. Deixou o PS de fora (Jorge Lacão e Alberto Martins não contam) e não chamou qualquer "independente" com peso ou influência pública. No fundo, só ele existe.

Basta ver o currículo dos novos ministros. Na Agricultura, está um administrador do Hospital Espírito Santo em Évora e antigo membro de um Gabinete de Planeamento Agro-Alimentar. Nas Obras Públicas, um catedrático e antigo presidente do conselho directivo do ISEG. Na Educação, a coordenadora do Plano Nacional de Leitura. No Ambiente, uma empregada perene do próprio ministério, presidente do Instituto de Resíduos. No Trabalho, a secretária-geral adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos. E, na Cultura, uma açoriana, secretária do Governo regional. Não há razão para duvidar da excelência pessoal e profissional desta extraordinária colecção de burocratas. Mas manifestamente nenhum tem a estatura e o prestígio para dizer "não" a Sócrates. E é disso que se trata.

Sócrates baniu a política do Governo - como Cavaco tentou, sem conseguir, no auge do "cavaquismo". A identidade política da esmagadora maioria dos ministros não é conhecida. Como, de resto, não era conhecida (e continua a não ser ) a identidade política de Ana Jorge ou de Silva Pereira, o "homem de confiança" e confidente do primeiro-ministro. Parece que tendem para um "socialismo" diluído e difuso. Uns tantos passaram pelo PC, onde aprenderam com certeza o valor da disciplina. Os mais típicos, como Dulce Pássaro, treparam pacientemente pelo funcionalismo de técnico superior a director-geral. Em geral, nunca se deram ao trabalho de contar o que pensam do mundo ou do país. Também não é preciso. Sócrates pensará por eles e eles pensarão o que Sócrates pensar.

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