31.05.2009, Nuno Pacheco, no Público
José Sócrates faz o que julga competir-lhe: encosta a marcha dos professores aos apetites da oposição por mais votos nas eleições. Mas quem veio de novo à rua em protesto sabe que a realidade é bem mais amarga e está a deixar marcas profundas
A uma semana do voto nas eleições para o Parlamento Europeu, é muito difícil dissociar a manifestação de ontem, que voltou a trazer à rua muitos milhares de professores (80 mil, segundo os sindicatos, 50 a 55 mil segundo a PSP), das disputas políticas próprias do momento. E foi o que fez, aliás, José Sócrates, quando, ao discursar em Braga, num comício do PS, ao mesmo tempo que os professores marchavam em Lisboa, afirmou que viu por lá (nas imagens que a televisão mostrou) "vários dirigentes partidários". A conclusão, óbvia, é a de que os professores se terão posto ao serviço da oposição ou, invertendo a lógica, que a oposição se tinha colado ao seu descontentamento. Quem acompanhou este desgastante processo desde o início, ou seja, desde Janeiro de 2008, saberá que a alegada instrumentalização partidária dos professores, embora conveniente ao discurso governamental em tempo de voto, não passa de demagogia. A manifestação dos 120 mil, a 8 de Novembro do ano passado, não tinha nenhumas eleições por perto e teve uma participação-recorde. Esta, fique-se pelos 60 ou 80 mil participantes reais, é, ainda assim, reveladora de um mal-estar que não sarou e que contaminou, nestes longos e difíceis meses, o ambiente nas escolas, a relação entre a tutela e os professores e entre estes últimos e os alunos. O número de reformas antecipadas (cinco mil, num ano) e, sobretudo, a caracterização dessas baixas (estão a sair muitos professores de entre os mais qualificados, como tem sido noticiado) mostram que só por visão estreita ou descaramento político se pode afirmar que temos, hoje, "uma melhor educação".
Mas foi o que fez, ontem, o primeiro-ministro, em Braga. Secundado pela ministra da Educação, que acrescentou que a reforma está ganha. Só se for a reforma, por desânimo, de quem já não suporta o estado a que se chegou. Como a professora que, ontem, se queixava nestas páginas de "cada vez mais burocracia, cada vez mais leis sem sentido, cada vez mais limites à criatividade e autonomia". Por isso retirou-se, aos 54 anos, com 34 anos de trabalho. José Gil, na entrevista publicada ontem (e que pode ainda ser lida em www.publico.pt) dizia que o Governo quis, com este sistema de avaliação, "matar dois coelhos": reduzir despesas e pessoal e levar ao afastamento dos professores com menores qualificações, "os que não eram bons". O efeito, contudo, está a ser o inverso, como ele próprio, professor e filósofo, constata: "Muitos dos que eram bons é que saíram. Porquê? Não aguentam. E o que é que eles não aguentam? Não aguentam não poder ensinar, não aguentam não poder ter uma relação em que precisamente se construa um grupo em que o professor age, em aprender ensinando." A avaliação, que ele defende, vê-a a decorrer dos conteúdos e não o contrário, como na prática determina a "reforma" em curso, que menoriza o ensino e valoriza a burocracia. A curiosidade do aluno desaparece, diz José Gil, e, no lugar dela, "aparecem as arrogâncias da ignorância, que é o pior que há." Neste estado de coisas, o que menos interessa é saber se de tais manifestações haverá aproveitamento político. Porque da herança do Governo na educação já há um aproveitamento. Que é péssimo e está à vista de todos.