Vasco Pulido Valente, Público
O Governo entregou um Orçamento incompleto no último minuto. Os queixumes, como se esperava, foram gerais. A classe média - da classe média baixa à classe média alta - vai pagar a crise, como suspeitavam e agora proclamam, com indignação, os jornais de referência. Não se percebe o escândalo e a surpresa. A classe média que por aí anda - é necessária a paciência de repetir - não passa de uma emanação, torpe e maligna, do Estado democrático. A administração central e a administração local inventaram maneiras de a criar (e lhe pagar), a troco da fidelidade e do voto, para não fazer nada de útil e principalmente de produtivo. Desde o princípio que os partidos vivem dela e que ela, inerte e incapaz, tornou o país num covil de parasitas sem vergonha ou carácter. O desaparecimento do funcionalismo directo ou indirecto (ou, pelo menos, de quatro quintos dele) não prejudicaria ninguém.
Conheço pessoas que o PSD e o PS (e até o PC) a seu tempo instalaram em altas posições que mal sabem ler e, definitivamente, não sabem escrever. Conheço pessoas que se dedicam antes de mais nada a justificar a sua injustificável existência, pelo curioso meio de aumentar a "verba" e o pessoal do departamento onde por acaso caíram, com o único propósito de promover o seu estatuto, espatifando zelosamente o que lhe dão. Vejo dia a dia a obra das câmaras, que pouco a pouco se tornou num exercício de extravagância, megalomania e, desconfio, em muitos casos de puro latrocínio. Podia fazer uma longa lista da gente que o Estado persiste em sustentar em nome de actividades sem espécie de justificação possível. Como podia fazer uma longa listas dos "negócios" em que se meteram milhões, em exclusivo benefício de interesses que não sofrem descrição.
Que todo este mundo se afunde e desapareça, com os seus cartões de crédito de "representação" e os seus carros de empresa, com as suas casas no Recife e as suas férias na Tailândia não me comove. Portugal precisa duma grande vassourada e a tragédia será que a crise poupe (e talvez poupe) esta piolheira. Ontem descobri num restaurante que já se festeja intensamente o Natal. A degradação a que a nossa classe média chegou não se cura com menos de uma catástrofe. O primeiro-ministro, José Sócrates, não é um acaso, é um símbolo: o símbolo da vacuidade, da ambição e do oportunismo que o regime permitiu e protegeu.
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