Público, 24.02.2009, Maria do Rosário Gama
Serão o oportunismo, a incoerência, o medo e a conflitualidade os valores que o ministério defende para as escolas?
Desde 10 de Janeiro de 2008, data da publicação do Decreto Regulamentar 2/2008 sobre a avaliação de desempenho do pessoal docente, que as energias do Ministério da Educação têm sido consumidas na imposição do modelo de avaliação de desempenho, contestado desde o início pela sua inaplicabilidade, como veio a ser reconhecido, e que levou ao modelo simplificado, mais conhecido por Simplex, publicado no Decreto-Regulamentar 1-A/2009 no dia 5 de Janeiro (um ano depois do primeiro).
Durante o ano civil de 2008, as Escolas dedicaram horas e horas do seu tempo a reuniões a fim de prepararem todos os mecanismos que conduziriam à aplicação do modelo, tendo algumas delas iniciado mesmo a observação de aulas. Quando foram dados os primeiros sinais de que havia grandes debilidades no processo, a equipa ministerial deveria ter estado atenta aos problemas denunciados e ter suspendido a aplicação do modelo de avaliação, para haver tempo de, ainda no decorrer desta legislatura, se chegar a uma proposta de um novo modelo de avaliação, aceite pela maioria dos intervenientes no processo.
Mas o autismo característico desta equipa não os deixou ouvir o protesto de 100.000 professores na rua no dia 8 de Março de 2008 nem o dos 120.000 professores que voltaram à rua em Novembro de 2008, para contestarem o modelo. A intransigência continuou.
Será que o Governo tem sondagens que lhe garantem que "a teimosia" da ministra da Educação lhes traz maior número de votos? Porque só assim se compreende a insistência na aplicação de um modelo que, mais uma vez, foi denunciado na reunião de Janeiro de 2009, em Santarém, quando os presidentes dos conselhos executivos entregaram à ministra da Educação um manifesto reiterando o pedido de suspensão, baseados na artificialidade desta avaliação: um professor pode atingir o grau de excelente mesmo sem ter aulas assistidas (basta ser avaliador dos colegas) e todos os professores podem ter Bom ainda que as suas aulas assim não o comprovem, uma vez que a componente científico-pedagógica é avaliada "a pedido".
No dia 7 de Fevereiro, 212 presidentes de conselhos executivos, reunidos em Coimbra, emitiram um comunicado cujas conclusões são as seguintes: na legislação publicada não figura nenhuma referência à obrigatoriedade de entrega dos objectivos individuais pelos docentes, nem à sua fixação pelo presidente do conselho executivo; os objectivos constantes no projecto educativo e no plano anual de actividades da escola são referência adequada, em si mesmos, à avaliação de desempenho docente.
Com data de dia 8, foi enviado para as escolas um mail da DGRHE em que é referido que "os objectivos individuais são um requisito obrigatório quer para a auto-avaliação quer para a avaliação a cargo do presidente do conselho executivo". Um pouco mais adiante pode ler-se: "Relembra-se ainda, relativamente aos procedimentos inerentes à fixação de objectivos individuais, que: No entanto, poderá o director/presidente do conselho executivo, tendo em conta a situação concreta da sua escola, fixar os objectivos ao avaliado, tendo por referência o projecto educativo e o plano anual de actividades da escola (...)"
Este ponto vem de encontro às conclusões dos presidentes dos conselhos executivos: dizer que o director/presidente "poderá" não significa obrigatoriedade de fixar os objectivos, além de que é reconhecida a importância dos objectivos do Projecto Educativo e do Plano Anual de Actividades aprovados e fixados para todo o ano lectivo desde o início do mesmo. Desta polémica resultam situações caricatas, a saber:
- O período de avaliação que seria suposto ter-se iniciado em Fevereiro de 2008, está agora a iniciar-se na maioria das escolas, na sequência da publicação do Decreto Regulamentar 1-A/2009 publicado a 5 de Janeiro, e termina em 31 de Dezembro de 2009.
- Os professores que apresentam agora os seus objectivos, vão fazê-lo tendo em vista a sua prestação até ao final do ano lectivo: terão certamente que garantir a assiduidade, mesmo que até agora não tenha sido a ideal; terão que garantir os apoios educativos ainda que até agora possam ter descurado este aspecto; irão participar em todas as actividades que a escola organizar a partir de agora, mesmo que tenham ficado em casa em comemorações ou actividades levadas a efeito desde o período iniciado em Janeiro de 2008; passarão a relacionar-se activamente com a comunidade e farão todas as acções de formação que lhe faltam, ainda que nenhuma tenha sido disponibilizada. Depois, quando em 31 de Maio entrar o novo director, não necessariamente coincidente com o actual presidente do conselho executivo, o mesmo não poderá avaliar os professores porque não teve contacto funcional com os mesmos durante o tempo necessário para que seja cumprido o processo de avaliação: terá que ser o actual presidente do conselho executivo a avaliar os colegas. Mas pode acontecer que o presidente actual se tenha entretanto aposentado: vai buscar-se a casa para atribuir a avaliação? Ou pode acontecer que, por qualquer motivo, o presidente actual não esteja disponível para se candidatar a director. Neste caso, é já como professor em igualdade de circunstâncias com os seus colegas, que os vai avaliar? E se, eventualmente, um dos professores em avaliação é o novo director que passará a partir de Janeiro de 2010 a avaliar o seu actual avaliador?
Por outro lado, aliciam-se os professores a candidatarem-se a ter aulas assistidas para terem classificação de mérito, à troca de mais uns euros no final de dois períodos de avaliação, apesar de os pressupostos que levaram à contestação deste modelo (professores titulares artificialmente colocados a avaliar os seus colegas, sem os mesmos lhes reconhecerem competências) se manterem. Sendo assim, está a fomentar-se o oportunismo de alguns, eventualmente menos competentes na sua prática lectiva, ao candidatarem-se à classificação de mérito, aproveitando as vagas que as quotas disponibilizam, na ausência de opositores ao processo de avaliação. São estes os valores que o ministério defende para as escolas? Oportunismo, incoerência, medo, angústia, conflitualidade?
Será que a equipa ministerial fica satisfeita com o número de professores que entregaram os objectivos mesmo que isso signifique um clima de perturbação e de agudização de conflitos que contribui para um funcionamento anormal das escolas? Serão estas as virtualidades que a opinião pública vê nesta insistência, mesmo que a avaliação roce a caricatura? É esta situação que é premiada nas sondagens?
Este assunto não perdeu a actualidade: o Ministério da Educação ainda está a tempo de repor a serenidade e a seriedade no trabalho das escolas.