16.08.2009, Vasco Pulido Valente, Público
José Sócrates persiste em acusar Manuela Ferreira Leite de "miserabilismo" (quer ele dizer na sua "pessimismo") e de ter herdado um "certo espírito" sombrio de Salazar. Sócrates, por seu lado, acha que é um "optimista" e que o PS é um partido a borbulhar de "ideias" para um futuro resplandecente. Também Mário Soares (que, para meu desgosto, se tornou no principal propagandista de Sócrates), desde que viu Obama numa nuvem como Nossa Senhora, anuncia contra a evidência e a lógica, uma "nova era", se não para Portugal e para o mundo inteiro, pelo menos para a felicíssima América. Numa época normal, estes devaneios, embora patéticos, seriam inócuos. Numa época de crise são ofensivos. E são ofensivos, porque não reconhecem ou respeitam a situação real do cidadão comum.
Com mais de 500.000 portugueses no desemprego (9,1 por cento) e com quase 200.000 sem subsídio, o país não precisa de optimismo. Precisa que o Governo mostre algum senso da realidade. A crise é tão grande e tão profunda que está literalmente em tudo e em toda a parte: nas ruas, nas conversas, num medo surdo que vai crescendo, no desprezo geral pela autoridade e na desconfiança de qualquer política e de qualquer política. A "energia" de Sócrates e o entusiasmo de Soares caem tão bem neste ambiente como num enterro. Quando o PS apresenta um crescimento de 0,3 por cento do PIB (em vez de 3 por cento) como prova irrefutável de que "não levou o país para o abismo", um pessoa fica sem saber se o PS finalmente enlouqueceu. E quando Sócrates nos resolve impingir a sua apologia sob forma de um artigo de jornal, a dúvida aumenta.
Não admira que extrema-esquerda prospere. Ao PC e ao Bloco basta descrever o estado de miséria e desorientação a que chegámos. Não serve de nada votar neles? Talvez. Mas ninguém continua com o mesmo médico e com o mesmo remédio, se o médico manifestamente não percebeu a doença e se o efeito do remédio é nulo. Como também não admira que Manuela Ferreira Leite se comece a aproximar da maioria. Manuela fala pouco, promete pouco e discute pouco, o que a separa da horrível jactância de Sócrates (que se julga infalível) e lhe permite ouvir o português normal, inseguro e já desesperado. O optimismo é hoje uma pura mistificação. O sarilho em que nos meteram (ou nos metemos) não se trata com retórica ou com "ideias". Só na sobriedade, no cálculo, na persistência e na discrição há uma pequena esperança. Como Sócrates vai rapidamente perceber.